sábado, 25 de dezembro de 2021

The last duel, do Ridley Scott

Para um épico do Scott você vai com os olhos preparados para o cinza sobre qualquer outra cor, a luz doente, o sangue dos que tombam; você chega com os ouvidos inclinados para o trovão nas patas dos cavalos em carga e o ressoar assassino do fio das lâminas. Aqui tem isso tudo — você trinca os dentes na escaramuça e fecha o punho a cada lança estourada no escudo inimigo. Mas muito mais impactante que essa violência, muito mais impressionante que um sutil e por isso incrível Matt Damon, é Jodie Comer e o sofrimento de sua personagem, Lady Marguerite. A brutalidade contra ela vem de todos os lados, um cerco que se fecha, sufoca, invoca lágrimas em seu olhar vidrado, lá, diante de todos, abandonada por todos, na companhia de sua própria palavra — que bastou. Um filme difícil, aparentemente medieval... mas com cores no final.

sábado, 18 de dezembro de 2021

A pressa passa — a desgraça fica

Queria algo curto, fácil de narrar e que contasse com poucos personagens e que de preferência com falas breves, dando menos trabalho para os amigos convidados. Dos textos que entraram no meu radar, Nove horas e trinta minutos, do Rubem Fonseca, pareceu a melhor escolha. Um teste, um aquecimento para algo maior. O resultado:

domingo, 5 de setembro de 2021

Reluctant hero, do Killer Be Killed

Herói relutante é aquele que se detém diante da Recusa — ele já foi chamado ou tem uma inclinação inata para a jornada, no entanto algo ou alguém o impede de seguir. Mau das pernas, represa energia sem saber o que fazer. Descobre que a Provação está tanto no ponto de partida quanto nos desafios ao longo do caminho. 

Álbum (em alguns trechos) sobre recusa, Reluctant hero é o movimento explosivo de quem deixa de represar energia. Forte destaque para as linhas dos três vocalistas. A dinâmica deles atordoa tal como se fosse um invento inédito — você não memoriza nenhuma faixa, assim, de primeira, mas de alguma forma sabe que tudo foi muito bom e diferente.

Logo de cara "Dream gone bad" e "Inner calm from outer storms" são as faixas que mais criam espasmos involuntários no ouvinte. A que exige audição ativa se chama "From a crowded wound". Numa segunda audição, percebe-se mesmo que as melhores são a faixa título e "Left of center".

sábado, 21 de agosto de 2021

The Green Knight, do David Lowery

Tem aquele clima de horror psicológico. Uma fábula sombria. Grandes pausas e algumas panorâmicas que te confundem, causam vertigem. É como os cômodos desconhecidos de um mito bonitinho. Ali naquele reino todos sabem que honra não existe, só o protagonista pensa diferente: algum grande ato e ele será merecedor, será considerado um cavaleiro honrado. Tolo. Precisa ir numa jornada para se perceber enganado sobre si, sobre o mundo. No fim, visualiza uma vida de desonra e... abre mão dela. Desiste. E é aí, em poucos segundos, que ele forja seu código e conquista algo maior do que honra.

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Wrath of man, do Guy Ritchie

Você estranha: cadê a agilidade bem humorada de Snatch ou do Jogos, trapaças e dois canos fumegantes ou do Sherlock Holmes? Há a inteligência de cenas entrecortadas, a estratégia do crime, como em um RocknRolla ou The Gentlemen. Mas aqui Guy Ritchie está sério, muito sério. Você sente na trilha, você percebe na câmera que se move pouquíssimo, no ponto final de cada cena. Não há beleza, exibicionismo. Há microexpressões, olhares dissimulados. É o reencontro, desde Revolver, do Ritchie com Jason Statham — que parece Marte encarnado. Justo, pois essa é uma estória de vingança. O protagonista morreu quando a tragédia aconteceu; se move, agora, com um objetivo, fala com um objetivo; não há descanso — há fogo e raiva oculta, sabiamente distribuída em cada tiro. Bom entretenimento para quem busca um pouco de ação. Indispensável para o fã de um diretor que começa a explorar novas formas de narrar.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Dedicado àqueles que questionam a proibição de cadeiras

Não tem tempo ruim para esses militares. Não tem porta fechada. Eles precisam farejar uma ameaça onde não existe, pois só assim eles próprios conseguem existir. É o mundo como suas vontades; é a crença por cima dos fatos. Atual? De hoje! Exceto que foi escrito em 1976. Conto. Crônica. Sátira. Denúncia imune à censura, pois revestida de arte. Ignácio de Loyola Brandão é um dos meus heróis da literatura nacional, um dos primeiros com quem tive contato, de modo que me senti mais que vivo quando peguei o seu Os homens que descobriram cadeiras proibidas e, junto com amigos, gravei uma leitura dramática. Ficou assim:

domingo, 27 de junho de 2021

Cárcere

Supõe que eu mostrasse que é em prol de si que o povo escolhe um rei, e não em prol dele, para que, graças a seus esforços e empenhos, o povo possa viver em conforto e segurança; que é dever do príncipe pôr o bem-estar de seu povo à frente do seu, da mesmíssima forma que é função de um pastor digno desse nome alimentar não a si, mas a seu rebanho. A experiência mostra como se enganam os que pensam que a pobreza do povo é uma garantia de paz — onde encontrarás mais brigas do que entre mendigos? Quem está mais disposto a subverter as coisas do que o indivíduo mais insatisfeito com seu atual modo de vida? E quem é mais temerário em atacar a ordem estabelecida, na esperança de algum proveito, do que o homem que não tem nada a perder? Se um rei é tão desprezado e detestado por seus súditos que não consegue mantê-los em ordem a não ser intimidando-os com ameaças, extorsões e confiscos, reduzindo-os à mendicância, então melhor seria abdicar do que conservar o trono por meios tais que, ainda que conserve o título, perde toda a majestade de um rei — reinar sobre mendigos não condiz com a dignidade de um rei; ele deve ter súditos prósperos e contentes. É decerto isso que queria dizer Fabrício, aquele homem de espírito íntegro e altivo, ao afirmar que preferia governar os ricos a ser ele mesmo rico; e decerto entregar-se sozinho a luxos e prazeres, cercado pelos prantos e lamentos de outros, não é governar um reino, e sim um cárcere; por fim, tal como é inútil o médico que só sabe curar uma doença infligindo outra, da mesma forma aquele que não conhece outra maneira de melhorar a existência dos cidadãos a não ser lhes tirando as amenidades da vida está admitindo que não sabe governar homens livres.

— Thomas More, em Utopia

segunda-feira, 7 de junho de 2021

No Pátio do Dragão, do Robert W. Chambers

Produção pandêmica. 

Na mitologia criada por Chambers, há uma peça de teatro chamada O Rei de Amarelo — quem lê essa arte demoníaca, enlouquece. Enlouquece também, hoje percebo, aquele que resolve editar podcast pela primeira vez, hm. Há também um ganho de dor nas costas pelo tempo sentado em frente aos espectros sonoros no Audacity. Fortes chances do conteúdo — um conteúdo que você escuta mil vezes antes de terminar o processo de edição — grudar na sua mente com forças várias, a ponto das falas aparecerem de repente quando você está andando na rua, lavando louça, checando saldo bancário. Não conversa sozinho? Vai começar. Se eu voltarei a fazer isso? Claro que sim. Recomendo.  

Com fones, por favor:

 

Fiz a leitura deste No Pátio do Dragão, que só foi possível graças às letras do Edmundo Barreiros, tradutor d'O Rei de Amarelo publicado em 2014 pela editora Intrínseca. As trilhas eu peguei da biblioteca de áudio do Youtube. Os efeitos, bem, há muitos lugares com sonoplastia gratuita; de todos, fiz do 99Sounds minha morada. As aparições do Rei de Amarelo e do Monsenhor foram colaboração do meu irmão de projeto, Ricardo Augusto.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Escape Of The Phoenix, do Evergrey

Uma catarse sonora completa e necessária. Você pode descobrir energias represadas ao som de "Forever Outsider" na mesma medida em que pode achar nova calma e reflexão com "Stories"

Assim de primeira você sente que é um novo Evergrey: "Where August Mourn" e "The Beholder", esta com participação do James LaBrie, são as diferentonas que se ajustam tão depressa quanto uma roupa nova. Evergrey envelhece bem porque explora outros horizontes — dica pra vida. 

Tom Englund cantando pra caralho: destaque para "In The Absence Of Sun" e "Eternal Nocturnal".

 

 

E uma outra recomendação, o melancólico Satelities, do Silent Skies. 

Em 2018, Tom gravou o bom Long Night's Journey Into Day com o Redemption, conheceu o tecladista Vikram Shankar, e daí projetou o Silent Skies: voz e piano, com algumas cordas de apoio. Toda a experiência com navegação (tempestades internas e externas, a busca por um horizonte limpo, calmarias) somada à separação da esposa, parece o combustível criativo do artista. É tudo muito contemplativo e triste; não existe armadura eficaz contra essas melodias.

sábado, 15 de maio de 2021

O Crânio

 
O background: desde cedo nessa coisa de RPG, porém hoje em dia (nos últimos 4 ou 5 anos, melhor dizendo) num ritmo bem mais lento simplesmente porque outras coisas passam na frente. Mas eis que surge uma nova motivação para esses raros momentos de descontração em grupo: a gravação feita e editada, o podcast lançado e batizado: O Crânio. Começou timidamente, mas o Ricardo, brother de infância, não só pegou gosto pelo tratamento de um podcast, como acabou por fazer uma bela primeira edição nem um pouco tímida! Recomendo, óbvio.  

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Judas e o Messias Negro, do Shaka King

O discurso e a morte são os elementos que chamam atenção, que causam o grande desconforto e tornam a obra memorável e com indicações ao Oscar. Mas repare nas cenas do agente do FBI com o Judas — momentos de uma sutileza fantástica! Judas (que, em uma época de intensos debates raciais, desconhece Martin Luther King e Malcolm X) perdeu a dignidade e acredita que ao ajudar o FBI irá recuperar sua honra social e se tornar um sujeito bem-sucedida, de posses. Sua ignorância (ou indiferença?) social lhe impede de perceber o absurdo que o agente diz, ao comparar a Klan com os Panteras. Judas, ao longo de todo o filme, quer apenas escapar. No fim, descobrimos como conseguiu.

domingo, 28 de março de 2021

Your honor, do Peter Moffat

É aquele drama que amarra, as ações sempre gerando consequências e pedindo novas ações. Bryan Cranston revive a aura do Walter White: um pai tentando fazer algo bom com atos errados; mas aqui ele não tem tempo de virar um vilão. Na verdade, os personagens são aparentemente superficiais: depois que x coisa acontece, tudo parece óbvio; mas os meios para os fins são fascinantes, como eles agem e como falam é coisa fina, movimenta a trama, torna um coadjuvante capaz de roubar a cena com muito pouco tempo de tela, e aí você não tem tempo de prever o que vai acontecer por mais óbvio que seja. O fim é canalha, poderia ter acabado um minuto mais cedo ou ter ganho um minuto a mais para desviar a atenção da angustia final. Piora quando você pesquisa e não acha nada sobre uma segunda temporada provisionada. Tomara que volte, hm. Bom show.

sábado, 27 de março de 2021

À exceção daqueles que nada sabem

Ross: Aí de mim, uma pobre pátria! Quase treme, só de pensar em olhar para si mesma. Em vez de nosso berço, terá de ser chamada de nosso túmulo. A ninguém se vê sorrindo, nunca, à exceção daqueles que nada sabem. Soluços e gemidos e gritos dilaceram o ar e uma emoção corriqueira. Quando dobram os sinos por algum finado, dificilmente alguém pergunta quem expirou. E expiram-se as vidas dos homens de bem antes de fenecerem as flores de seus chapéus. Morrem antes de adoecer. 

— No Macbeth, do Shakespeare

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Uma noite em Miami, da Regina King

Veio de uma peça de teatro, foco no texto. Então apesar de umas lutas do Ali que movimentam o começo, a verdadeira batalha está nos diálogos em um quarto de hotel, com um Malcolm X inspirado. Ele lembra você, no tempo em que prestigiar essa obra, que o sangue de Prometheu corre nas suas veias: em algum momento, você roubou a chama dos deuses e esse brilhantismo único está nas suas mãos ou na sua voz ou na sua mente — e como você pode usar esse poder em prol da sociedade em que vive?

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Momento contemplativo = livre-arbítrio

Periodicamente, a humanidade passa por uma aceleração de seus problemas, e com isso conhece uma corrida entre a renovável vitalidade dos vivos e a iminente corrosão da decadência. Nessa corrida periódica, qualquer pausa representa um luxo. Somente então é que se torna possível refletir que tudo é permitido, que tudo é possível. 

— Frank Herbert, no Filhos de Duna

domingo, 7 de fevereiro de 2021

Agir dominante

Os governos, se perduram, sempre tendem cada vez mais na direção de modelos aristocráticos. Não se sabe de nenhum governo, na História, que tenha se furtado a esse padrão. E, à medida que a aristocracia se desenvolve, o governo tende mais e mais a agir exclusivamente no interesse da classe dominante, quer essa classe seja a realeza hereditária, oligarquias de impérios financeiros ou a burocracia mais cristalizada.

— No, advinha só, Filhos de Duna, do Frank Herbert

sábado, 6 de fevereiro de 2021

O método de escolha

O bom governo nunca depende de leis, mas das qualidades pessoais dos que governam. A máquina do governo sempre está subordinada à vontade daqueles que administram essa máquina. Portanto, o elemento mais importante do governo é o método de escolha dos líderes. 

— No Filhos de Duna, do Frank Herbert

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Decisões parte 2 (ou: Admoestação repentina da princesa Irulan)

 — Digo a vocês que perdemos algo vital. Quando o perdemos, perdemos junto a capacidade de tomar boas decisões. Hoje em dia, caímos sobre as decisões do modo como caímos sobre um inimigo, ou esperamos e esperamos, que é uma forma de desistir, e então permitimos que as decisões de outros nos ponham em movimento. Será que esquecemos que somos nós que disparamos esse fluxo atual? 

— No Filhos de Duna, do Frank Herbert

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

domingo, 31 de janeiro de 2021

Enquanto isso, em um pequeno pesado ensaio filosófico:

Não é que o sujeito narcisista não queira chegar a alcançar a meta. Ao contrário, não é capaz de chegar à conclusão. A coação de desempenho força-o a produzir cada vez mais. Assim, jamais alcança um ponto de repouso da gratificação. Vive constantemente num sentimento de carência e de culpa. E visto que, em última instância, está concorrendo consigo mesmo, procura superar a si mesmo até sucumbir. Sofre um colapso psíquico, que se chama de burnout (esgotamento). O sujeito do desempenho se realiza na morte. Realizar-se e autodestruir-se, aqui, coincidem.
 
 — Byung-Chul Han, no Sociedade do cansaço

sábado, 30 de janeiro de 2021

Hannibal, do Bryan Fuller


O tema é empatia como uma parada perturbadora. E o setor de arte não tem limites: aquele totem de corpos mutilados na praia, por exemplo, em meados da primeira temporada, é um dos objetos cênicos mais impressionantes para sempre. Aliás, como pode algo tão gore ser ao mesmo tempo tão classudo, cheio de referências artísticas e mitológicas? Os diálogos parecem citações de deuses da sabedoria e o protagonista é elegante igual o diabo. Melhoraram muito as ideias dos filmes com o Hopkins, brincando com o velho fã que acha que sabe onde a coisa vai acabar e de repente não é bem assim. Ademais: três temporadas depois e você perde um tempo a mais no mercado, em busca de temperos, molhos, coisas exóticas. Ademais 2: série não recomendada para vegetarianos. 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Notas de um janeiro qualquer

Não existe mudança de um dia para o outro; na verdade, parece que tudo que você faz, em algum grau, não é para você, mas para quem vem depois de você. Legado, posteridade — é assim que justificamos a necessidade de semear ideias, de se reproduzir? Pareço um androide falando. Veja só: o tempo de uma vida não lhe é o bastante. Veja bem: o que não é para a posteridade, a sua porção, aquilo que você consegue aproveitar, acaba depressa, escapa pelos dedos, sopra um vento e apaga a centelha e aí você recomeça a lida em busca de algo mais concreto, em busca de significados; e cansa, escapa, apaga; recomeça, faz diferente, escapa, apaga, aproveita e acaba; é agora, agora vai, escapa, não é para você; centelha tremenda que queima depressa, você então recomeça; sopra um vento na sua porção e você não consegue aproveitar e, não olhe agora, mas aquilo que você tinha por significado concreto acaba de escapar; vai embora a mudança, vai embora um dia para o outro, vai embora as ideias semeadas; fica a lida e os dedos. 

Tolice. “Em busca de significados”. Alguém sabe? O da vida que não é o bastante. 

Aquele que quer saber, não descobre. Mas se sente realmente vivo ao tentar descobrir. O melhor sempre está na experiência. Produzir é obelisco, o produto é subatômico. Investigar um caso é melhor do que o caso em si. A sensação de coração batendo — e de saber que na verdade você não é um androide — acontece no meio e não no fim.

Você está nos meios, no meio, em meio, a meio. Tentando segurar firme, tentando proteger a centelha. Quando conseguir sua porção, pronto, um fim e ponto final, um fim para justificar os meios. Um fim que você define ali na hora e já era. É o momento, você sabe quando ele surge, quando ele surgiu. Sua intuição — que nunca cansa, escapa, apaga — presta para isso, presta para te dizer: você levantou o obelisco e investigou o caso. A mudança, o significado, se houve, aconteceu pela experiência e não pelo legado. Não de um dia para o outro, mas apenas em um momento, um momento que é como um coração tipo centelha, tipo vento. Se a posteridade aproveitar algo da lida dos seus dedos, ok, bom. Quanto a você, a satisfação nos meios, no meio, em meio, a meio, é a sua porção. 

E agora? Recomeçar? Por que não?

Devaneio. Insights de 2021. 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Moment, do Dark Tranquillity

Esse momento que o disco fala... seria aquele momento em solitude, em repouso auto imposto, em ócio depressivo, aquele momento em que você tem algo para fazer, mas ainda está descobrindo como fazer? Aquele momento de observação em que é possível entender o universo em uma folha caindo de uma árvore? É o Valis. Alpeh. 

Destaque para 

"Identical to none", que toca num tema constante para a banda, o "ser nenhum"; 

"The dark unbroken", a trilha sonora de um 2020 cheio de insights inúteis; 

"Eyes of the world" e "In truth divided", pois os vocais limpos do Stanne estão maravilhosos.

sábado, 16 de janeiro de 2021

Conseguir alguma coisa

A maneira zen-sunita de encarar o parto é esperar sem outro propósito no estado de mais elevada tensão. Não lute com o que está acontecendo. Lutar é preparar-se para o fracasso. Não se deixe prender pela necessidade de conseguir alguma coisa. Desse modo, você conseguirá tudo. 

— Frank Herbert, no Messias de Duna

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Diferença de grau

O enunciado intrincado dos legalismos desenvolveu-se em torno da necessidade de esconder de nós mesmos a violência que temos a intenção de dirigir uns aos outros. Entre privar um homem de uma hora de sua vida e privá-lo de sua vida existe só uma diferença de grau. Foi cometida uma violência contra ele, foi consumida sua energia. Eufemismos elaborados podem disfarçar a intenção de matar, mas, por trás de todo e qualquer uso do poder para afetar outra pessoa, resta o pressuposto supremo: “eu me alimento de sua energia”. 

— Frank Herbert, no Messias de Duna

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Em um trem desgovernado, um bandido discursa antes de pular fora

Como é que é? Ninguém mais quer se mexer? Tá todo mundo com medinho de morrer? Mas vai morrer! Porque o trem não vai parar e ninguém vai ter peito de saltar dele andando. Me dá até vontade de rir. Vocês passam a vida esperando pela morte dentro dessa geringonça. Esse trem não para, seus bestas. Tá sempre andando com vocês. Vocês pensam que entram e saem dele todo dia, mas estão enganados! Vocês já nasceram aqui dentro. E tão sempre nascendo pra encher essa lata velha que carrega vocês. (Ri.) Vocês estão sempre resmungando que essa lata não presta, tá sempre atrasada e isso e aquilo, mas tão só enchendo a lata, nascendo e enchendo ela com a cara de vocês, com a covardia de vocês, o suor fedorento e a merda de vocês. Até que um dia ela arrebenta! E vocês resmungando da porra do atraso. Seus merdas. Esse trem não tem que obedecer horário nenhum. Não sabem disso? Não sabem? Aqui dentro não tem tempo. Que que vocês são: tu é pedreiro, velho? Constrói casa, edifício, constrói? Constrói merda nenhuma. Tu nunca saiu daqui. Tuas paredes são essas. Tu levantou elas e elas te fecharam. Sai daqui, pedreiro, sai. Sai nada, pensa que sai. Num pensa que é saltando direitinho nas estações que você se livra das paredes, não. Elas vão atrás de ti. Lugar de macho na briga é brigando dentro dela pra sair com a vida nos dentes. Tem que furar caminho. Saltar do trem em movimento.

— n'O último carro, do João das Neves