domingo, 27 de junho de 2021

Cárcere

Supõe que eu mostrasse que é em prol de si que o povo escolhe um rei, e não em prol dele, para que, graças a seus esforços e empenhos, o povo possa viver em conforto e segurança; que é dever do príncipe pôr o bem-estar de seu povo à frente do seu, da mesmíssima forma que é função de um pastor digno desse nome alimentar não a si, mas a seu rebanho. A experiência mostra como se enganam os que pensam que a pobreza do povo é uma garantia de paz — onde encontrarás mais brigas do que entre mendigos? Quem está mais disposto a subverter as coisas do que o indivíduo mais insatisfeito com seu atual modo de vida? E quem é mais temerário em atacar a ordem estabelecida, na esperança de algum proveito, do que o homem que não tem nada a perder? Se um rei é tão desprezado e detestado por seus súditos que não consegue mantê-los em ordem a não ser intimidando-os com ameaças, extorsões e confiscos, reduzindo-os à mendicância, então melhor seria abdicar do que conservar o trono por meios tais que, ainda que conserve o título, perde toda a majestade de um rei — reinar sobre mendigos não condiz com a dignidade de um rei; ele deve ter súditos prósperos e contentes. É decerto isso que queria dizer Fabrício, aquele homem de espírito íntegro e altivo, ao afirmar que preferia governar os ricos a ser ele mesmo rico; e decerto entregar-se sozinho a luxos e prazeres, cercado pelos prantos e lamentos de outros, não é governar um reino, e sim um cárcere; por fim, tal como é inútil o médico que só sabe curar uma doença infligindo outra, da mesma forma aquele que não conhece outra maneira de melhorar a existência dos cidadãos a não ser lhes tirando as amenidades da vida está admitindo que não sabe governar homens livres.

— Thomas More, em Utopia

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