George R. R. Martin faz parecer fácil abranger tantos acontecimentos e tantos personagens, ligar pontas soltas e criar outras em duas ou três páginas, viajar no tempo-espaço com narrações que permeiam um dia ou uma semana em diferentes locais, brincar com o julgamento do leitor em relação à um personagem, brincar com a memória do leitor em relação aos inúmeros nomes e títulos, e tantos outros aspectos bem vistos em suas Crônicas de Gelo e Fogo. Não é a toa que o trabalho todo envolve cinco livros, com mais dois previstos para o futuro. Não é a toa que virou modinha mundial. Mas, veja bem: é uma modinha bem adulta e feroz, do tipo que corta perigosamente, deixando cicatrizes em quem lê.
Eu tive um intervalo de meses, entre o término da leitura do livro um ao inicio do livro dois. Logo, as Crônicas fizeram um refém e eu tive de me empenhar muito para negociar. Esse refém era minha memória. O sem-número de nomes e títulos que a estória cultiva me deixou zonzo. Lembrar de um coadjuvante através do nome se tornou simplesmente impossível para mim. Felizmente a negociação durou somente alguns capítulos. A Fúria dos Reis continua muito bem de onde A Guerra dos Tronos parou, mas em um piscar tudo foge dos trilhos previstos deixados pelo primeiro livro, e o leitor embarca em novas possibilidades. Alguns capítulos lidos e pronto, a memória já resgatava coisas importantes do livro um, e se esforçava para manter a linha durante os novos acontecimentos.
E que acontecimentos! A Fúria dos Reis é uma baita briga pelo poder. Levantam-se, inicialmente, quatro reis. Cada um com motivos bem concretos para tomar o poder definitivo do reino (exceto Robb Stark, que deseja um poder parcial, reinando unicamente no Norte, livrando-se de qualquer compromisso com o restante do continente). Daí, assistimos um reino tomado pela guerra. E o reflexo disso no reino, narrado principalmente pelos capítulos da Arya, é mortífero, como em toda guerra. Mesmo não narrando os acontecimentos em si, é espantoso como George consegue passar a noção de guerra prosaicamente, como efeito de fundo, geralmente um comentário ou outro, bem deslocado, mas que são imensamente informativos.