Nunca fui muito fã de português. Tudo que lembro é o meu antigo professor dizendo “conjugue o verbo correr”. Eu escrevia qualquer coisa no caderno, totalmente despreocupado, pois iria passar de ano conjugando ou não aquele tal verbo. Depois quase sempre rasgava a folha e fazia uma bolinha de papel ─ munição básica para entrar nas guerras que fazíamos. Quando alguém começava ─ acertando um zé mané desprevenido ─, eu já estava pronto, prestes à massacrar aqueles estudantes exemplares que sentavam na frente e gostavam de apagar a lousa para o professor. Ah como eu odiava eles, eram meus alvos preferidos. Alguns falavam “para ô!” ou tentavam ignorar ou faziam cara de choro, mas no fim todos participavam, amassando papel e fazendo da sala de aula uma zona militar.
Daí o professor ficava puto e a aula danava.
Nessa, nunca levei muito à sério aquela disciplina.
E agora eu sinto muito por isso: Pois, olhando para o meu texto, não sei se essa palavra é com S ou Ç.
Enquanto eu tentava escolher uma palavra melhor ─ uma que eu saberia escrever ─, Três-Dedos chegou do meu lado.
─ Terminou de ler já? ─ Ele perguntou.
─ Terminei ontem. ─ menti.
Pois Crime e Castigo é um livro muito chato. Não tem um desenho se quer! Não consegui ler ele inteiro, mal passei da metade. E além do mais, deram somente 30 dias para terminar com o livro. Nunca conseguiria! Mas podia fingir que sim, que tinha encerrado a leitura.
─ E já está fazendo isso ─ ele apontou para o texto que eu escrevia.
─ É. ─ eu não estava muito de conversa. Queria sossego. Queria escrever o raio da resenha em sossego.
Três-Dedos ia indo embora, mas quem sabe ele poderia me ajudar. Chamei:
─ Ei, veja aqui ─ mostrei a folha pra ele, pus o dedo na palavra ─ é com S ou Ç?
Ele leu. Leu de novo. Enrugou a cara, como se usar o cérebro fosse doloroso demais. E finalmente:
─ É com X.
─ Ah.
Que vergonha. Aquele cara me corrigiu com tanta autoridade que eu senti vergonha. Logo ele, um idiota que se automutilou numa máquina de cortar frios, perdendo dois dedos, quando trabalhava num açougue miserável.
─ Valeu. ─ eu disse, engolindo o orgulho. Apesar de tudo, não sou mal agradecido.
Ele se mandou. Foi olhar, pela janela, o dia de sol que fazia lá fora.
Continuei a resenha, corrigindo a palavra da forma certa, graças ao Três-Dedos.
Só que não.