domingo, 19 de abril de 2020

Ver-se

Todo homem se angustia com a ideia de solidão, do desconhecido, da morte — da sua morte — e sente uma necessidade constante de ser amado e de se sentir existindo, vivendo. Ele projeta sobre os outros seus próprios pensamentos, suas emoções, seus sentimentos, e o contato direto (ou imaginário) com seus semelhantes tranquiliza-o, certificando-o de sua existência real. Ver e escutar os outros, finalmente, é escutar-se e ver-se (todos nós somos um pouco mais ou menos narcisistas). A necessidade de se ver liga-se também à necessidade consciente ou inconsciente de se conhecer melhor para melhor se julgar. Se por vezes temos horror de espelhos e de ver-nos a nós próprios, é talvez porque isso nos mostra impiedosamente a imagem (mesmo que invertida, em termos de direita/esquerda) de nosso envelhecimento, que nos recorda a ideia de nossa morte, que no mínimo nos repugna, pois o envelhecimento vai contra o nosso desejo de agradar, dito claramente, contra o nosso desejo de sermos amados.

— Gérard Betton, em um filosófico parênteses do Estética do cinema

quinta-feira, 9 de abril de 2020

The man in the high castle, do Frank Spotnitz

Melhor que o livro e com os temas que o Philip K. Dick adorava: empatia como arma (Juliana), metalinguagem (Tagomi), agir de acordo com uma programação (Kido), problemas de identidade (Joe, Frank), e um jeito meio desdenhoso de fechar os arcos — como que na vida real. 

Aliás, toda estória, não importando a época/mundo em que se passa a ficção, conversa com a vida, com o tempo em que foi criada. Então essa série, que começou em 2014 e terminou ano passado, fala sobre guerra, censura, aparência, dificuldade de confiar. Fala sobre sonhar com um mundo melhor ou ao menos um mundo diferente. A polaridade bem vs mal é uma ingenuidade. O que existe mesmo é o menor mal vs. o maior mal.