segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Sonho contínuo

Parece que o pião vai parar de girar no final do A Origem. Mas se, por um acaso, ele não parar, significa que Cobb está sonhando. E se ele está sonhando, alguém o pegou no avião do Saito? Não, impossível, a companhia área inteira foi comprada pelo empregador do grupo de heróis... Então foi antes. Teria sido a Cobol Engineering, a organização pra quem Cobb trabalhava no início do filme e que passou a persegui-lo depois que falhou na extração de ideias do Saito? Sim, poderia ser eles. Mas quando? Quando Cobb procurou um químico em Mombassa e, no porão dos eternos sonhadores, provou de um forte sedativo que o fez sonhar pesado com a Mal... daí acordou num susto, correu para o banheiro, molhou a cara e catou o pião-totem, girou, mas o danado caiu no chão e antes do protagonista poder girá-lo outra vez, Saito apareceu perguntando se estava tudo certo e Cobb, passando muito mal, fez que sim, tá tudo certo, e não tornou a girar o pião pra checar se estava ou não no mundo real... de modo que ele poderia estar sonhando o restante do filme a partir dali, é isso?

Será que a Cobol encontrou o time, matou todo mundo e resolveu, numa sentença irônica, manter Cobb num sonho contínuo?

Hm.   

sábado, 27 de agosto de 2016

Sonho real

Morpheus, o deus dos sonhos — que já no primeiro filme te disse que o real não precisa ser necessariamente o que você sente, cheira, vê, escuta; percepções estas que acontecem também durante um sonho mas que você só descobre ser tudo falsidade quando desperta —, ganha dos irmãos Wachowski um paradoxo fenomenal na forma da seguinte fala, bem no fim da guerra:
— Eu sonhei a vida inteira com esse momento. Será que é real?
— Lá no Matrix Revolutions

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Episódio do inimigo, do Jorge Luís Borges

Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde.

Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse.

— Pensamos que os anos passam apenas para nós — disse-lhe —, mas passam também para os outros. Aqui nos encontramos, por fim, e o que aconteceu antes não tem sentido.

Enquanto eu falava, ele desabotoara o casaco. A mão direita estava no bolso do paletó. Assinalava-me algo e senti que era um revólver.

Disse-me então com voz firme:

— Para entrar em sua casa, recorri à compaixão. Agora o tenho a minha mercê e não sou misericordioso.

Ensaiei algumas palavras. Não sou um homem forte e só as palavras podiam salvar-me. Atinei a dizer:

— É verdade que há tempos maltratei um menino, mas você já não é aquele menino nem eu aquele insensato. Além disso, a vingança não é menos fátua e ridícula que o perdão.

— Justamente porque já não sou aquele menino — replicou-me — tenho de matá-lo. Não se trata de uma vingança, mas de um ato de justiça. Seus argumentos, Borges, são meros estratagemas de seu terror para que eu não o mate. Você não pode fazer mais nada.

— Posso fazer uma coisa — respondi.

— O quê? — perguntou-me.

— Acordar.

E foi o que fiz.

Peguei do Arimateia.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Mentira, cicatrizes e andróides

Sobre essa antologia de contos, digo que:

Sabe a escada da arte de capa, essas boas de cair e quebrar a cabeça numa explosão seca de neurônios cor de rosa? Pois é: pra quem ainda não tem medo de uma escada assim, basta ler o conto Mentira, da Ana Karina Dantas, para sentir, daqui pra frente, vertigem ao descer por uma engenharia maldita dessas. Principalmente, digamos, num dia em que você tenha contado — sem querer, sabe como é — uma mentira por aí, de leve...   

Sabe aquela coisa de metalinguagem, o livro dentro do livro falando sobre o livro, igualmente próprio para explodir sua cabeça enquanto interpreta o texto? Pois bem: isso aparece de uma forma bem bacana lá no conto A união faz a ponte, da Eliana Machado. E o Amor além da escrita, do Pedro Karam, além de te fazer rir de estranhamento, vai te dar uma interpretação diferente da metalinguagem a cada nova leitura do conto. Loucura da boa.

Agora pensa numa narrativa rápida e bem humorada que o Chuck Palahniuk poderia ter escrito e o Quentin Tarantino poderia ter dirigido como o sonho febril de algum dos seus personagens. Pensou? Então: se chama Goodbye Sunshine, da Thaís Scuissiatto. É exatamente aquele tipo de texto gostoso de ler em voz alta — com o tom de voz certo aparecendo naturalmente — numa audiência, pra checar as reações dos ouvintes.

E por um acaso você já ouviu falar que o conto deve ganhar por nocaute, tipo, derrubando o leitor no chão? Então veja bem: se aqui houvesse uma medida do soco mais pesado, O tatuador de cicatrizes, da Gisela Lopes Peçanha, levaria o cinturão. O conto te dá um ponto de vista e você vai junto, compreendendo, sentindo, tudo numa boa e de repente BAM na sua cara e você tem de se abaixar pra recolher os dentes.

E, pode falar, você já escutou alguém dizer que a forma em que a história é contada deve ser mais importante que o conteúdo dela? Então: o charme d'O grande truque do homem desalmado, da Letícia Copatti Dogenski, é a melodia de palavras regionais do sul que flui ágil na narrativa e nos diálogos como se a coisa toda fosse poesia antes de ser conto. E o mais legal do Memória, do Edson Amaro de Souza, é justamente a forma trincada de se contar uma história com 561 referências históricas/literárias dentro do texto (Obs: só achei 561 referências, mas suspeito ter mais 440 escondidas no conto, totalizando um arábico número de mil e uma referências que faria qualquer Sherazade concordar que sim, a forma é mais importante que o conteúdo, hm).  

Essas e mais oito histórias de temática fantástica figuram nas páginas de um livro que tem duração de no máximo dois dias de leitura — o conteúdo influenciando nesse tempo mais que a forma de 160 páginas. 

Vale.

Onde tá? AQUI! 

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Sabedoria popular do Tender Branson

As pessoas não querem consertar a própria vida. Ninguém quer resolver os próprios problemas. Seus dramas. Suas distrações. Resolver suas histórias. Consertar suas confusões. Porque, nesse caso, o que sobraria? Apenas o grande e assustador desconhecido. 
— em Sobrevivente, do Chuck Palahniuk.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O homem que acordou e voltou a dormir

Sonhou que estava dormindo e sonhando, e tentou lembrar do que se tratava o sonho no sonho dormindo de novo.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Gillian sabe que o início deve fisgar o leitor

Eu não parei de bater punhetas porque não era boa nisso. Parei de bater punhetas porque era a melhor. 

Durante três anos, batia a melhor punheta da região. O segredo é não pensar demais. Se você começa a se preocupar com a técnica, analisando ritmo e pressão, perde a natureza essencial do ato. É preciso um preparo mental antecipado em depois, tem que parar de pensar e deixar o corpo assumir. 

Basicamente, é como uma tacada de golfe. 

Eu fazia homens gozar seis dias por semana, oito horas por dia, com um intervalo para almoço, e minha agenda estava sempre lotada. Tirava duas semanas de férias por ano e nunca trabalhava em feriados, porque punhetas em feriados são tristes para todos. Então, durante três anos, calculo que tenha totalizado cerca de 23.546 punhetas. Portanto, não dê ouvidos àquela cadela da Shardelle quando ela diz que eu saí porque não tinha talento. 

Saí porque, quando você bate 23.546 punhetas em um período de três anos, a síndrome do túnel do carpo se torna uma realidade. 

— começo do conto Qual é a sua profissão?, da Gillian Flynn, presente na antologia O príncipe de Westeros e outras histórias.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

N, B, E

Novamente bem emboscado numa bonitona esquecida no balcão encardido naquele bar entupido. Ninfa bandida, esperando. Nova bebida encomendada. Nome bonito, Elisa. Nona bebida entornada. No beijo enrolado, noite boa esperada. 

Noivo barrigudo entrou: notório brigão esquentadinho, nem buscou explicações!

Naquele barraco estourado, nariz brutalmente esmagado, nocauteado, balançando embriagado, novamente bem emboscado numa briga endemoniada. Noite boa estragada.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Curso superior, de Marcelino Freire

O meu medo é entrar na faculdade e tirar zero eu que nunca fui com de matemática fraco no inglês eu que nunca gostei de química geografia e português o que é que eu faço agora hein mãe não sei. 

O meu medo é o preconceito e o professor ficar me perguntando o tempo inteiro por que eu não passei por que eu não passei por que eu não passei por que fiquei olhando aquela loira gostosa o que é que eu faço se ela me der bola hein mãe não sei. 

O meu medo é a loira gostosa ficar grávida e eu não sei como a senhora vai receber a loira gostosa lá em casa se a senhora disse um dia que eu devia olhar bem para a minha cara antes de chegar aqui com uma namorada hein mãe não sei. 

O meu medo também é do pai da loira gostosa e da mãe da loira gostosa e do irmão da loira gostosa no dia em que a loira gostosa me apresentar para a família como o homem da sua vida será que é verdade será que isso é felicidade hein mãe não sei. 

O meu medo é a situação piorar e eu não conseguir arranjar emprego nem de faxineiro nem de porteiro nem de ajudante de pedreiro e o pessoal dizer que o governo já fez o que pôde já pôde o que fez já deu a sua cota de participação hein mãe não sei. 

O meu medo é que mesmo com diploma debaixo do braço andando por ai desiludido e desempregado o policial me olhe de cara feia e eu acabe fazendo uma burrice sei lá uma besteira será que vou ter direito a uma cela especial hein mãe não sei.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Avis rara, de Rogério Guimarães

O único hétero da sala. No primeiro dia de aula, curtiu. Concorrência zero, vou me dar bem. Fantasiou que seria disputado pela mulherada, escreveu lista de prioridades. Não rolou. Uma a uma, suas investidas malograram. Enfim, percebeu: não havia parceira disponível. Era o único hétero da sala.

Peguei daqui.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Pausa pra pensar alto

Acontece às vezes: to curtindo aquele som não-pesado e imaginando como ele ficaria na mão de uma banda brutal e rápida, ou na voz de x vocalista. Depeche Mode, por exemplo: não consigo escutar as músicas dessa banda sem imaginar elas numa versão metalizada. 

Recentemente me detive na incrível "In Chains", imaginando ela cheia de riffs e rugidos, algo que o Machine Head poderia fazer dar certo. Ou então na voz do Jorn Lande, Tom Englund, Roy Khan. Quem sabe um cover futuro para o Russell Allen rasgar, junto ao Adrenaline Mob. Seria animal. 

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Pra quem quer escrever

Você vai na oficina de literatura bem na moral pra ver como é que é e de repente saí de lá com três mini contos, uma lição de casa que você na hora já soube como fazer e uma estrutura de narração que deve virar algum conto no futuro, desde que sente pra trabalhá-la. Faz mais de um ano que não tenho um momento tão criativo no espaço de apenas duas horas! E isso porque foi apenas o primeiro encontro!

Se você é de São Paulo e escreve e tem as noites de terça e quinta livres até o meio de setembro, corre lá. Hoje (terça) rolou o primeiro encontro, mas estão admitindo gente até terça que vem, 16. 

Você vai ser jogado na fogueira — pois é tudo muito prático e rápido. Produção sem pausa para o café. E todo mundo vai criticar o que você escreveu, na cara de pau mesmo — mas no final todo mundo se abraça, relaxa.

Mais informações é só KLIKAR.  

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Trinta e poucos minutos de farofa

Dentre outras coisas, Pretty Maids é especialista em executar aquelas baladas quatro por quatro meladas de romantismo uma ou duas vezes em cada álbum. Mas aí você está conferindo a discografia dos caras mais a fundo até chegar no glorioso 1993 e descobrir Stripped: um disco 85% acústico e 98% rock farofa, o bastante pra fazer você pensar nela por uns trinta e poucos minutos. Um dos discos que mais deu certo no portfólio deles, hm.

Obs: Ronnie Atkins, amigo, se estiver lendo isso com ajuda do translate do seu navegador dinamarquês, considere o meu pedido: não espere pra vir ao Brasil só com o Avantasia, na próxima turnê, daqui 191 anos mais ou menos. Não! Venha mais cedo, com o Pretty Maids, fazer todo mundo cantar em coro a "Please Don't Leave Me". Valeu aí.