terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Coringa, do Todd Phillips

Reverencia Taxi driver mesmo (ele conversando consigo mesmo e sacando a arma é um déjà-vu do Travis e o seu "você está falando comigo?") e tem muito d'O Cavaleiro das trevas naquela Gotham azulada, naquele metrô amarelado, num Coringa preso no banco de trás da viatura, e até mesmo na trilha sonora final (tic-tic-tic)... isso tudo é um aperitivo singelo aos atentos. O banquete geral vem na perturbação que o personagem causa. Não é só um riso, não são apenas omoplatas proeminentes. Aí está um sujeito que passou um longo tempo subindo uma escadaria de penitência e quando resolveu descê-la — quando finalmente resolveu descer até o mais baixo —, ele desceu no seu melhor estilo.

domingo, 22 de dezembro de 2019

Blade Runner uma vez mais


Em um mundo tão globalizado, com indianos cantando, com comida japonesa e uísque americano, com trilha hebraica (?) e Coca-Cola, os humanos do filme moram sozinhos em silenciosos quartos escuros. Rutge Hauer, no seu androide Roy, é mais expressivo que qualquer outro humano do filme — eles, explica Bryant lá no começo, estão desenvolvendo emoções... e quando sentem, sentem com todas as forças. O triunfo de Roy nesse mundo em que faz parte é, na morte inevitável que ele sabia que chegaria ("tempo... o bastante" — na cena ao telefone), sentir-se vivo... e, depois de toda uma demonstração de vida, chorar no mais incrível e poético momento do filme, quando não vemos suas lágrimas, mas sabemos que elas estão lá. Só o fato de ele estar ali, entre humanos, mostra como ele venceu sua programação, como experimentou ser algo a mais do que foi projetado para ser, e então morreu livre, o que o mesmo que morrer em glória.

domingo, 8 de dezembro de 2019

Ad Astra, do James Gray

O roteiro, a direção... não há nenhum esforço aqui para que você goste do protagonista. Roy é feito de uma matéria sombria. Ele não se conecta, é indiferente. Você leva uma hora de filme para entrar, um pouco, na mente dele. Uma hora que testa você: ou larga e vai assistir outra coisa ou continua nesse mergulho sem piscar. 

É herança do pai. Essas trevas. Essas trevas no Espaço e nos espaços, nos monólogos, no silêncio. Como uma doença, que já tomou conta de um sublime e alquebrado Tommy Lee Jones — ele, Clifford, dedicou tudo na busca por vida extraterrestre, mas não se engane: a busca é, na verdade, pela própria vida. Não encontrou.

Agora é Roy lidando com essa doença, saindo pelo Espaço em busca de um pai perdido. Em seu monólogo, é como se Roy soubesse que encontrar o pai é o mesmo que encontrar a si mesmo. Sua jornada é uma tentativa de se conectar — partindo logo para o mais difícil: o pai e a si mesmo. Se Roy consertar o pai, será que pode se tornar uma pessoa melhor?

Mergulho. Netuno — oceanos — subconsciente.

Ali, no fim, Roy poderia desistir junto com Clifford... Mas antes ele tinha dito "não quero ser como meu pai", de modo que escolhe submergir do profundo. Mas ele não deixa de ser quem é. Roy resolveu um frame de sua vida, isso não o transforma radicalmente. Mas ao menos ele entendeu um pouco sobre a origem das trevas, sobre a matéria de que é feito.

Um filme interessante.