Durante alguns anos, como professor, fui autorizado a receber um jornal semanal. Havia pouco para ler. Pouco que interessasse. As más notícias estavam proibidas para não alarmar o povo. Os governantes da Era da Grade Locupletação é que destilaram esse conceito de más notícias.
Foi um trabalho gradual de preparação. Filmes nas televisão e nos cinemas, outdoors com propaganda. Repetição exaustiva até convencer a todos que as más notícias prejudicavam a tranquilidade, traziam inquietação, provocavam estresse, aumentavam a hipertensão, causavam até mortes.
ESTÁ NA HORA DE NOS UNIRMOS, NOS FORTALECEMOS.
A Era da Grande Locupletação veio logo depois dos Abertos Oitenta que tinham se sucedido a uma ditadura grotesca. A imprensa tinha se acostumado a tratar dos assuntos livremente, a denunciar e apontar. Incomodava. O Círculo dos Ministros Embriagados sentiu-se ofendido, exigiu reparações.
TEMOS TUDO PARA SER A NAÇÃO LÍDER.
NOSSO PODERIO ECONÔMICO E MILITAR COMPROVA.
Tudo começou quando um ministro processou o jornal que o acusara de corrupto. O jornal comprovou, o Esquema cedeu, o ministro caiu. Então os outros sentiram a ameaça, se uniram e iniciaram uma campanha cívica: "De que servem fatos como este para o país? O Esquema deve governar tranquilo".
NOSSAS DEFESAS SÃO INVULNERÁVEIS.
O ESQUEMA DESENVOLVEU OBRAS ESTRATÉGICAS NOTÁVEIS.
OS OUTROS PAÍSES NOS TEMEM.
Era esse o tom. Um governo constantemente atacado tem de passar o tempo respondendo a acusações. E não pode governar tranquilo. O povo devia escolher. Se as más notícias continuassem, o Esquema não teria condições de administrar. Portanto, não seria culpado se o país estacionasse, até regredisse.
PENSEM EM NOSSO SISTEMA DE REPRESAS,
NAS HIDRELÉTRICAS,
NA USINA NUCLEAR,
NAS FERROVIAS DE MINÉRIOS,
NA POLÍTICA ENERGÉTICA,
NA DESCOBERTA DO ÁLCOOL COMBUSTÍVEL.
O povo foi ficando orgulhoso do que tinha. Deixou de ler os jornais que enfocavam más notícias. Assim a grande campanha contra a devastação e concessão do Amazonas morreu. Ninguém queria ouvir falar em desmatamento, árvores caídas, pastos substituindo matas, formação de terras estéreis.
REGOZIJEM-SE COM O OURO DE NOSSOS GARIMPOS,
COM A MADEIRA QUE PODEMOS EXPORTAR,
ORGULHEM-SE COM AS SAFRAS IMENSAS DAS TERRAS FÉRTEIS,
EM QUE, PLANTANDO, TUDO COLHEREMOS.
CULTIVEMOS O OTIMISMO, A CONFIANÇA, ABAIXO OS NEGATIVISTAS.
─ Ignácio de Loyola Brandão, no Não Verás País Nenhum.