sábado, 29 de dezembro de 2018

Segundo semestre metálico foi assim

Devil's Hand. Estreia inspirada. O hard rock ganha um nome bacana, com um Andrew Freeman no auge da competência.


For The Love Of Metal, Dee Snider. O melhor do ano. O disco pra mostrar pra todo mundo o que é heavy metal.


Kulkija, Korpiklaani. Um disco deles que não me passou batido. Essa pedrada de nove minutos, Kallon Malja, pela amor, coisa linda. 


Long Night's Journey Into Day, Redemption. Com Tom Englund encaixando como luva. Prog de qualidade, melhor disco dos caras, segundo melhor do ano.


My Dark Symphony, Conception. Um EP. Meio confuso esse trampo; progressivo, meio indie, entendi só na terceira escutada. Mas tem Roy Khan de volta à música e isso é ótimo. 


Rainier Fog, Alice In Chains. Um fácil de sofrer a tirania do repeat.


The Persistence, Kingcrow. Uma ótima descoberta desse ano. Discão cheio de melodia grudenta.


Volume II: Power Drunk Majesty, Metal Allegiance. Puta instrumental. As vezes os convidados não se encaixam bem, mas as guitarradas tão de cair a peruca.


Well Of Souls, Ashes Of Ares. Outro retorno: Matt Barlow.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Notas de um dezembro qualquer

Um disco. Kulkija, do Korpiklaani. Violino perfeitamente bêbado.

Um livro. História da sua vida e outros contos, do Ted Chiang. Ficção científica ambiciosa em oito longos contos super bem escritos. 

Um filme. Searching; roteiro perfeitamente amarrado, formato inovador.

Outro. Galveston, direção da Mélanie Laurent (Shosanna!). Ficou igual o livro, então vale.

E mais um. King Lear, remake atualizado da peça de mesmo nome do Shakespeare. Vale pela atuação sensacional do Hopkins.


terça-feira, 25 de dezembro de 2018

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

A última soma

Há situações na vida em que já tanto nos dá perder por dez como perder por cem, o que queremos é conhecer rapidamente a última soma do desastre, para depois, se tal for possível, não voltarmos a pensar mais no assunto. 
— em O homem duplicado, do José Saramago

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Acredito...

...sinceramente ter interceptado muitos pensamentos que os céus destinavam a outro homem. 
— Laurence Sterne

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Notas de um julho qualquer

Uma HQ. A Deluxe Demolidor: O demônio do pavilhão D. Absurdo como Brubaker não deixou a peteca cair com a saída do Bendis. Puta roteirista.

Um filme. Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi. Bons monólogos.

Um disco no reino do repeat. For The Love Of Metal, do Dee Snider. (O melhor do ano[?])

Outro. Long Night's Journey Into Day, do Redemption.  

Um livro. O reino, do Emmanuel Carrère. 

Um saldão. De livro, lá na Martins Fontes (Av. Paulista, 509). Várias editoras, preço pra rasgar a bolsa com o peso das aquisições. Vai até domingo 29/07.  

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Um dia depois

Desaprenda a escrever 1000 palavras por dia (foi mal, King). Escreva 100. Escreva microcontos, só. Aquele romance de um ano e alguns meses e 250 e páginas mais ou menos organizadas, deixe-o pra lá bem pra lá. Volte à produção de contos e nunca termine a tempo de enviar para os concursos literários. Requente velhas histórias e se considere um sortudo por ao menos ter alguma coisa para requentar. 

Tenha o propósito de ser escritor e falhe em parcelas com juros. 

Nessa jornada, tenha um início péssimo porém inspirado. Melhore a técnica com o tempo. Perda inspiração com o tempo. A criatividade, parece, envelhece. Entropia, como tudo. Piora com pensamentos ruins, diabos noturnos, diabos que te pegam na janela do transporte público. Você tem um estigma, aquele do Guts do Berserk, é isso.

Nessa jornada, encare a tela branca do note. Tente um heavy metal para acompanhar, discos novos, velhos, afunde no doom, no melodeath. Tente no ônibus, no metrô, com o celular. Experimente ao som de trilha sonora, Hans Zimmer, é lógico. Experimente acordar bem cedo e voltar ao papel e caneta. No silêncio, tente escutar a sinfonia desarranjada da sua mente bicameral. Tome muito café, vinho branco suave e barato, e dê um bem-vindo às dores no estômago. E mesmo assim, se arraste em míseras 100 palavras.

Entregue-se ao capitalismo, livros e séries e HQ's, consuma as histórias dos outros e esqueça das suas.
 
Comece a escrever sobre escrever. Apague. Recomece. Pense em postar, seja lá o que for, no dia do escritor, mas acabe por postar um dia depois, depois muito depois, tempo, fora do tempo, sem um final, apenas um acorde sustentado reverberando até não reverberar mais. 

Aguarde os diabos, Guts.

domingo, 22 de julho de 2018

Os que contribuíram para a destruição da minha audição

Esse primeiro semestre ligeiro foi assim: 

All I See Is War, Sevendust. Os discos deles são difíceis num primeiro momento. Não foi diferente dessa vez, funcionando comigo da segunda escutada em diante. Foi treta parar o play repetido de Sickness e Descend. Destaque também para a matadora The Truth.  


And Justice For None, Five Finger Death Punch. O ápice da criatividade do new metal dessa banda numa pedrada de 50 minutos e pouco. Um disco pra rivalizar com aquele devastador War Is The Answer — mas aqui os destaques são as músicas mais calmas, sem brincadeira, como Gone Away e o feeling da Blue On Black e Will The Sun Ever Rise.

Catharsis, Machine Head. Você reconhece que é Machine Head, mas tá um pouco diferente. Músicas mais curtas, momentos que lembram hip-hop, um trampo para dividir opiniões. Lançado no começo do ano, só me acostumei com ele há poucas semanas — e então gostei mesmo. A segunda metade de Heavy Lies The Crown derruba uma casa, Triple Beam é aquela fúria oscilante e Behind The Mask é a boa e velha balada de sempre.


Firepower, Judas Priest. Só a Spectre me fez esquecer dos novos do Anvil e Saxon. Ótimo momentos também com Never The Heroes e No Surrender. Nem tem muito o que falar, Judas é Judas. 


Hands On The Wheel, Hartmann. Oli Hartmann tem evoluído muito, a trinca The Harder They Come, Dream World e I Remember é a prova recente. Um vício em forma de hard rock. 


Queen Of Time, Amorphis. Nesse aqui eles incluíram uns coros, reaproveitaram os violinos do álbum passado, sax em meio um solo, flauta, Anneke cantando uma das músicas, os melhores guturais da música pesada, climão épico. Destaque para a ótima porta de entrada The Bee e o peso e melodia de Heart Of The Giant e We Accursed


Sometimes The World Ain't Enough, The Night Flight Orchestra. A banda que não erra, que inova fazendo o mesmo som maneiro e retrô. Dá pra perceber quando um projeto vira negócio sério quando saí um disco praticamente atrás do outro. Difícil escolher os destaques, mas arrisco Lovers In The Rain, Pretty Thing Closing In e Turn To Miami.


The Banished Heart, Oceans Of Slumber. Uma das minhas descobertas do ano graças a participação fenomenal do Tom Englund na No Color, No Light. A banda faz um prog com momentos bem arrastados, estilo doom metal. Tem uma viagem completa em The Decay Of Disregard e At Dawn. Puta disco de uma banda nova e talentosa.  


The Shadow Theory, Kamelot. O melhor disco dos caras desde a saída do Roy. As melodias aqui simplesmente deram muito certo. Static, por exemplo. Ravenlight e Mindfall Remedy também são bem boas, mas a melhor coisa do álbum, com Tommy em versos absurdamente bem bolados, se chama Burns to Embrace.

terça-feira, 26 de junho de 2018

A indiferença do Shadow...

...foi uma coisa que me irritou um pouco na American gods. E, para minha queda, no livro, o comportamento do personagem é ainda pior! Frente o sobrenatural, ele reage de um jeito muito tranquilo. Mas daí Neil Gaiman, lá na p.328, resolve esclarecer tudo, num daqueles momentos bem humorados do livro. Wednesday acabou de fazer um teletransporte, algo que você não vê acontecendo todo dia, e então:
As nuvens e a neblina e a neve e o dia tinham desaparecido.

Havia estrelas no céu, pairando como lanças de luz imóveis no ar, perfurando o céu noturno.

— Estacione aqui — instruiu Wednesday. — Vamos andar o resto do caminho.
 
Shadow desligou o trailer. Foi para os fundos e pegou o casaco, as botas de inverno e as luvas. Então saiu do veículo e esperou.

— Pronto. Vamos lá — declarou.

Wednesday o encarou com um ar divertido e de algo mais... irritação, talvez. Ou orgulho.

— Por que você nunca discute? — perguntou o deus. — Por que não grita que isso é impossível? Por que você só faz o que eu mando e leva tudo nessa calma do caralho?

— Porque você não me paga para fazer perguntas — respondeu Shadow. Então acrescentou, dando-se conta da verdade das palavras que saíram de sua boca: — De qualquer forma, nada me surpreende muito depois do que aconteceu com Laura.

— Depois que ela voltou dos mortos?

— Depois que eu descobri que ela estava dando para o Robbie. Doeu demais. O resto é o resto. Para onde vamos?   

domingo, 24 de junho de 2018

Pausa para pensar alto

Pensando em Westworld.

A memória como garantia: se você não lembra, será que realmente aconteceu? E, quando você lembra, o que isso, esse passado fragmentado, diz a respeito de quem você é hoje? Hoje, repetição, rotina... são formas de dizer quem você é. Identidade. Alguns lutam nobremente para se libertarem dessa tirania (Dolores), outros simplesmente não conseguem deixar de ser quem são (Teddy). Mas eis o fato: se você é programado para fazer algo, para sentir algo, você o faz com intensidade, para o bem ou para o mal. Maeve, por exemplo, abraça a jornada de recuperar sua filha, recuperar o sentimento que lembrou uma vez ter sentido, recuperar sua antiga programação — algo tão real e intenso, esse fragmento do passado, a ponto de mudar seu presente e afetar emocionalmente os que cruzam seu caminho, androide ou humano. 

E, agora nessa segunda temporada, acabaram-se as repetições, é uma vida, uma chance, e ponto final — o fim da rotina, o caos das identidades, o oceano das novas oportunidades.

Mas, talvez — como Ford disse na primeira temporada —, eles estão vivendo livres, porém ainda sob o domínio dele, o criador imortal.

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Uma coisa perfeita:

Heike Langhans.

Uma coisa mais que perfeita: Heike Langhans e o novo EP ambiente depressivo reflexivo do Ison.



quinta-feira, 31 de maio de 2018

Notas de um maio qualquer

Um disco [triplo]. Songs From The North I, II & III, do Swallow The Sun.

Um livro. Deuses americanos, do Neil Gaiman. A leitura melhora muito a percepção da série.

Outro. Sonhos elétricos, antologia de contos do Philip K. Dick. Muito melhor que a série.

Uma releitura breve. No pátio do dragão, conto do Robert W. Chambers.

Outra. O modelo de Pickman, conto do H.P. Lovecraft.

Uma expectativa. Sharp Objectcs, com Amy Adams. Se tiver um décimo da qualidade do livro, já será uma puta série.

Uma resenha. Do filme O homem duplicado, no Crítica Amadora. O tipo de análise que realmente entra na obra.

sábado, 26 de maio de 2018

Passando...

...só para deixar aqui uma das melhores canções de uma das melhores bandas de metal progressivo, registrada ao vivo.

domingo, 22 de abril de 2018

Notas de um abril qualquer

Copiando Michiel Laub no formato.


Um show. Pain Of Salvation em São Paulo, daqui uma semana. Preço bom.

Uma série. The Terror, produção do Ridley Scott. Júlio César e Bruto em um reencontro gelado.

Um filme. A qualquer custo, do David Mackenzie. Subtexto maravilhoso. 

Um disco na tirania do repeat. Sovran, do Draconian.

Outro. Atoma, do Dark Tranquillity.

Um livro. O cão do sul, do Charles Portis.

Outro. A ilha do tesouro, do Robert Louis Stevenson. Vontade de rever Black Sails.

Para ter na estante. O Blu-ray do Blade Runner 2049.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Espessa sabedoria da bruxa Skifr

— Você acha que tem tanto tempo... Tantos prêmios corajosos adiante, tantas colheitas a fazer. Ouça minhas palavras, meu pombinho: antes que você perceba, seu glorioso futuro virou um bocado de histórias velhas e cansadas, e não há nada adiante a não ser o pó. (...) Tome a vida com as duas mãos! Regozije-se com o que tem. Poder, riqueza, fama são fantasmas! São como a brisa, impossíveis de segurar. Não existe destino grandioso. Todo caminho leva à Última Porta. Aproveite as fagulhas que uma pessoa provoca na outra. Elas são a única luz nas trevas do tempo.

— em Meia guerra, do Joe Abercrombie

terça-feira, 13 de março de 2018

Pai Odin certa vez recomendou:

Em todas as portas,
antes de entrar,
deve-se observar,
deve-se procurar,
pois é difícil
saber
onde os inimigos
se sentam na habitação de antemão.

— Hávamál, As Palavras do Altíssimo

quarta-feira, 7 de março de 2018

Druidismo de respeito

Que discussão maneira no s01e07 da novata Britannia: como pode um deus que você considera absoluto não ser conhecido por outro povo? Como pode esse outro povo ter outros deuses, que não os seus?

Ademais, bela série. Tempo de cena bacana para personagens menores que, do nada, movimentam a narrativa com ações bem encaixadas no roteiro. Fácil pegar a motivação de cada um ali, os personagens não se traem. Parece que se você dá um bom texto para o ator/atriz, eles se tornam melhores no que fazem, simples assim. Mas o maior destaque é o druidismo, a forma como foi retratado, a maquiagem monstra do Veran, etc. Recomendo.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

As Máscaras de Deus, de Joseph Campbell

Marcos. Aquelas coisas que acontecem e te mudam. Você era uma pessoa, então de repente é outra. As Máscaras de Deus é tipo um marco: a visão que você tem do espiritual, desde a mais remota mitologia até a mais recente crença institucionalizada, muda completamente após essa sólida leitura. Ideal para os arqueólogos culturais insaciáveis, aqueles que sempre querem saber mais, as origens, os porquês. Ideal também para contadores de histórias, já que a flecha aqui tem por alvo as primeiras narrativas do ser humano e a sua pronta disposição em crer, disseminá-las e sincronizá-las com outras narrativas vizinhas. A mais antiga arte, de contar histórias, é rasgada até os ossos nessa série de livros.

Parênteses: essa leitura funciona muito melhor para quem já é iniciado n'O herói de mil faces — que é um único livro, relativamente curto. Enquanto O herói avalia as narrativas mitológicas de maneira psicológica, As máscaras olha para o lado cultural dessas narrativas e seus impactos no meio em que foram criadas. 

A saga começa na Mitologia Primitiva. Perseguição, sacrifício, uma árvore, uma proibição (fruto, caixa que não pode ser aberta, "não olhe para trás, Orfeu", "não olhe para trás, Ló"), um salvador, uma mãe miraculosa... Imagens do tipo nasceram nas mais velhas comunidades, uma galera que curtia plantar e comer da terra, a Mãe. A figura feminina tinha poder naquele tempo: ninguém podia entender uma gravidez, por exemplo, de modo que a mulher era um mistério nível sobrenatural para qualquer ajuntamento. A maioria dos seres espirituais eram, então, deusas. Mas então essa galera começou a caçar, começou a guerrear com outras tribos, armas, armadilhas, fogo, e aí vieram os deuses masculinos e de repente parecia mais interessante dominar do que cultivar, de modo que o masculino ganhou destaque. Essa é apenas uma das tantas imagens históricas desse primeiro volume. Destaque para o sistema de poder de várias tribos, onde geralmente o mais velho, o mais místico (xamã) ou o melhor guerreiro lideravam. Sem contar os relatos de inúmeros ritos de passagem, desde maioridade à casamento — cerimônias que, por mais longínquas que sejam, ecoam em vários costumes atuais. 

Então, Mitologia Oriental. Sofisticada, essa é a palavra. A filosofia oriental, os mitos dessa galera do lado de lá, sempre estiveram à frente do restante do mundo. Aqui Campbell começa falando da mitologia no Egito. Jamais houve uma ideia de morte tão rica quanto à desses caras, jamais houve tumbas tão simetricamente concebidas. Lá, quando um líder morria, seus súditos morriam também, todos passavam para o Além juntos, em respeito ao elo que tinham em vida — simplesmente animal. Já temos nesse volume alguns sincretismos, algumas mitologias que migraram de um lugar para outro e evoluíram, como a dos Vedas, mais tarde incorporadas na mitologia indiana — aquela que tem a maior riqueza cósmica, disparada, absurdo mesmo. Surgem alguns salvadores andarilhos, Buda sendo o mais ilustre nesse volume, Jesus aparecendo no próximo, com interessantes paralelos das duas histórias — sempre tendo em mente a evolução comercial da Europa com as estradas romanas, que levavam não apenas bens de consumo de um povo ao outro, mas também narrativas boas de serem adaptadas.

Mitologia Ocidental. Brutal. Enquanto no oriente o pessoal era mais zen, pensando em propósito de vida, morte, macrocosmo, no ocidente ainda temos as velhas histórias de dominação e guerra vindas de épocas primitivas. Zeus, por exemplo, enquanto não está tocando raio nos outros está se deitando com uma jovem (instintos primitivos) e o Velho Testamento é forrado com guerras e sentenças de morte. Neste volume fica clara a ascensão patriarcal nas narrativas sobrenaturais, com o feminino antes cultuado se tornando o monstro (Tiamat, Gorgona). Vale também uma atenta leitura quando Joseph começa a falar da Suméria, o berço de onde brotou inúmeras histórias que reaparecem tanto na Babilônia como no livro do Gênesis. O autor chega a falar do Islamismo também e, novamente, muito interessante os paralelos de Maomé com qualquer outro salvador andarilho. 

E Mitologia Criativa, que pega uma época medieval em que a crença se torna algo fortemente institucionalizado e mesmo assim brotam, aqui e ali, narrativas mundanas de coragem e amor, nada relacionadas com a religião, que mexeram com o imaginário popular, de modo que hoje sabemos sobre Lancelot e Guenevere, por exemplo. O livro que fecha As máscaras de Deus mostra como a mitologia evoluiu ao status de arte declarada, uma poesia, um canto; não mais uma coisa à ser venerada, com regras que devem ser obedecidas e punições para quem se desvia do caminho — mas sim um objeto à ser contemplado, estudado, sentido. 

São quatro calhamaços de alto valor, caros mesmo na metade do preço em feiras de livro, mas, meu, vale cada centavo. 

O estudo comparativo das mitologias do mundo nos compele a ver a história cultural da humanidade como uma unidade; pois achamos que temas como o roubo do fogo, o dilúvio, a terra dos mortos, o nascido de uma virgem e o herói ressuscitado estão presentes no mundo todo — aparecem em toda parte sob novas combinações e se repetem como os elementos de um caleidoscópio. Além do mais, enquanto nas histórias contadas para entretenimento tais temas míticos são tomados sem maior seriedade — num óbvio espírito jocoso — quando aparecem em contextos religiosos, eles são aceitos não apenas como absolutamente verídicos, mas mesmo como revelações das verdades das quais toda cultura é uma testemunha viva e de onde derivam tanto sua autoridade espiritual quanto seu poder temporal (...) Cada povo recebeu seu próprio desígnio sobrenatural, comunicado a seus heróis e provado diariamente nas vidas e experiências de seus membros. E, embora muitos que se curvam de olhos fechados nos santuários de sua própria tradição esmiúcem racionalmente e desqualifiquem os sacramentos de outros, uma comparação honesta revela imediatamente que todos foram criados de um único fundo de motivos mitológicos — selecionados, organizados, interpretados e ritualizados de modo diferente, de acordo com as necessidades locais, mas venerados por todos os povos da terra.  
Mitologia Primitiva

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Líder

Não é difícil ser um senhor, um jarl ou mesmo um rei, mas é difícil ser um líder. 

A maioria dos homens deseja seguir, e eles exigem prosperidade de seu líder. Damos anéis, ouro. Damos terra, prata, escravos, mas isso não basta. Eles devem ser liderados. Deixe os homens de pé ou sentados por dias e eles se entediam, e homens entediados criam problemas. Eles devem ser surpreendidos e desafiados, devem receber tarefas que acreditam estar acima de sua capacidade. E devem temer. Um líder que não é temido deixará de governar. Mas o medo não basta. Eles também devem amar. Quando um homem é levado a uma parede de escudos, quando um inimigo rosna em desafio, quando as lâminas se chocam nos escudos, quando o solo está para ser encharcado de sangue, quando os corvos voam em círculos aguardando as entranhas dos guerreiros, um homem que ama seu líder vai lutar melhor que um homem que meramente sinta medo dele. Nesse momento somos irmãos, lutamos uns pelos outros, e um homem deve saber que seu líder irá sacrificar a própria vida para salvar qualquer um dos seus comandados. 

Guerreiros da tempestade, do Bernard Cornwell

sábado, 13 de janeiro de 2018

Medo

Mesmo antes de as paredes de escudos se encontrarem, alguns homens se cagam. Eles tremem de medo. Bebem hidromel e cerveja. Alguns se vangloriam, entretanto a maioria fica em silêncio até que se juntam num cântico de ódio. Alguns contam piadas e a risada é nervosa. Outros vomitam. Nossos líderes de batalha discursam para nós, falam dos feitos dos nossos ancestrais, da imundície que é o inimigo, do destino das nossas mulheres e crianças se não vencermos. E entre as paredes de escudos os heróis se pavoneiam, desafiando-nos ao combate um contra um. Vemos os campeões do inimigo e eles parecem invencíveis. São homens grandes, de rosto sério, cobertos de ouro, reluzindo em sua cota de malha, confiantes, cheios de desprezo, selvagens. 

A parede de escudos fede a merda, e tudo que os homens querem é estar em casa, em qualquer lugar que não nesse campo, se preparando para a batalha, mas nenhum de nós vai virar e fugir, caso contrário será desprezado para sempre. Fingimos que queremos estar ali, e, quando enfim a parede avança, passo a passo, e o coração bate ligeiro como as asas de um pássaro, o mundo parece irreal. O pensamento voa, o medo reina. Então é gritada a ordem de acelerar a carga, e você corre ou tropeça, mas fica na sua fileira porque esse é o momento pelo qual passou uma vida inteira se preparando. E então, pela primeira vez, ouve o trovão das paredes de escudos se encontrando, o clangor das espadas, e começam os gritos.   

O Portador do Fogo, do Bernard Cornwell