terça-feira, 28 de agosto de 2012

M&M & Game Of Thrones: Stannis

Stannis Baratheon
Nível 6

HABILIDADES [22p]
Força: 14 (+2); Destreza: 14 (+2); Constituição: 14 (+2); Inteligência: 14 (+2); Sabedoria: 14 (+2); Carisma: 12 (+1).

SALVAMENTOS [11p]
Resistência: 2/7*; Fortitude: 7; Reflexos: 4; Vontade: 6.
*com Placas e cota.

COMBATE [20p]
Iniciativa: 2; Defesa: 15; Esquiva: 2; Recuo: 1/3*; Bloqueio: 5; Ataque: 5; Dano: Desarmado 2 [17]; Luminifera 6 [21].
*com Placas e cota.

PERÍCIAS [96 Graduações, 24p]
Cavalgar 7 (+9); Conhecimentos: Cultura Popular 7 (+9), Educação Cívica 8 (+10), História 8 (+10), Tática 7 (+9), Teologia e filosofia 7 (+9); Escalar 2 (+4); Diplomacia 7 (+8); Intuir Intenção 2 (+4); Lidar com Animais 4 (+5); Nadar 2 (+4); Obter Informação 11 (+12); Performance: Oratória 7 (+8); Profissão: Senhor de Pedra do Dragão 11 (+13); Sobrevivência 6 (+8).

FEITOS [47p]
Ataque Acurado; Bem Informado; Bem Relacionado; Beneficio: (Status, Riqueza 2); 'Capangas' 28 (10.000 Soldados 'fanáticos'; 30p cada); Contatos; Equipamentos 7; Inspirar 2; Liderança; Rastrear; Trabalho em Equipe 1.

Equipamentos: Luminifera (Espada, Dano +4, Critico Aprimorado); Placas e cota (Resistência +5).

QG: Pedra do Dragão [Tamanho: Incrível; Resistência: 15; Adicionais: Alojamentos, Biblioteca, 'Celas de Detenção', Comunicação (Através de corvos), Enfermaria, 'Garagem' (Estábulos), 'Ginásio' (Pátios de treino), 'Laboratório', 'Oficina' (Ferraria), Porto.]

Habilidades 22 + Salvamentos 11 + Combate 20 + Perícias 24 (96 graduações) + Feitos 47 = 124 pontos.

sábado, 25 de agosto de 2012

Sonata do bardo 1

12º dia do 7º mês, Luvitas. Ano 1400.


Estávamos viajando há dias. Não que a distância de Karitania à Luvian fosse enorme, não era isso. O problema era o clima. O inverno chegara do Norte, e meio dia de neve caindo sem intervalo foi o suficiente para esconder as estradas. Por isso, estávamos atrasados em algum ponto esquecido pelos deuses, bem ali, no norte de Fortuna; que era um reino simples, apesar do nome. Mas para um pequeno time de menestréis como nós, seria fácil encher os bolsos de fortuna. A vila Karitania provara isso; em apenas uma semana rendemos ótimas moedas com apresentações breves em tavernas e numa praça local. Ainda não tínhamos um nome, então ficamos conhecidos como “Torinks e o seu bando”, o que era uma injustiça com meus camaradas músicos, além de ser um titulo estúpido. E, acima de tudo, éramos apenas quatro. E quatro pessoas é pouco para ser chamado de “bando”.

Então: precisávamos de um nome, com urgência. Ao menos antes de alcançarmos Luvian, que era nossa próxima parada.

Numa noite em que me lembro, descansávamos ao lado de uma fogueira, num campo cercado de pedras, gramas rasas e algumas árvores. Rark cutucava as unhas com uma faca de gume cego. Eu estava estudando sua vã tentativa de higiene. Quando ele me percebeu ali, ao seu lado, bufou:

─ Não deveria ter deixado secar. ─ suas as mãos estavam vermelhas de sangue. O liquido rubro havia secado por baixo das unhas, formando crostas de sujeira. ─ Tem água no seu odre?

Fiz que não.

─ Então vou ter que mijar nas mãos.

E aquilo só não soou engraçado porque vinha de Rark. Rark era um sujeito sério, de poucas palavras. Gostava dele por causa disso. E gostava dele ainda mais por saber que era meu aliado e não inimigo. Naquela manhã o vi em combate. Daí a origem daquele sangue em suas mãos: era de um sujeito que o tomou como adversário, e no fim teve a garganta rasgada. Esguichou sangue pra todo lado, e as mãos do Rark ficaram daquele jeito.

─ Por isso prefiro matar à distância. ─ eu disse ─ Não esguicha sangue dos outros em você e, com sorte, os indivíduos morrem sem saber o que aconteceu.

Rark olhou para o meu arco ali ao lado. Bufou de novo:

─ Em minha terra, você seria chamado de covarde. Somente aqueles que veem os olhos de seus inimigos, face a face, compartilham a benção de um campo de batalha. Matar a distância é falta de virilidade.

Eu concordei com a cabeça, embora discordasse do discurso. Até porque, quem sou eu para desmenti-lo? Longe de mim tal tarefa. Lembra? Gosto de Rark por ser meu aliado, o que implica jamais discutir com ele.

Rark fez um muxoxo para as mãos e largou a faca de lado. Levantou-se e foi pra trás de uma árvore; a natureza chamando. Talvez fosse mijar nas mãos, como dissera. E enquanto Grilo e Larien não voltavam com mais lenha, eu puxei meu alaúde pra perto, a fim de ajustar alguma corda frouxa, depois, fiz o mesmo com a corda do meu arco.

Pois sim, eu não era um simples bardo. Não éramos um simples grupo de menestréis que só sabiam de música. Tínhamos outros meios de sobrevivência, caso a vida nos provasse...

Aqueles bandidos de hoje cedo quem o digam...

Exceto que não eram simples bandidos.

Foi quando saímos de Karitania, quatro ou cinco dias atrás. Todos na vila viram que estávamos tilintando de moedas, graças às apresentações. Até compramos os melhores cavalos disponíveis e provisões para uma semana ou mais. Logo, atraímos a atenção de um grupo mal encarado que perambulava por lá. Ao deixar a vila, eles seguiram nossos rastros. Fui perceber que estávamos sendo seguidos somente depois de dois dias de cavalgada. Eu e o meu bando ficamos espertos, esperando por um ataque que nunca vinha. Aquele jogo começava a nos cansar. Principalmente a Larien, a única dama do grupo, tão inocente é bela quanto um machado de duas lâminas pronto pra matar.

─ Vamos recuar e pegar esses caras de frente ─ ela disse, certa hora.

Rark gostou daquilo, mas ainda preferia ouvir minha opinião. Ele gostava de uma pancadaria, mas era prudente demais para se atirar como Larien estava disposta a fazer. Olharam pra mim, aguardando.

─ Deixem passar só mais esta noite. ─ decretei. Não que eu fosse um líder ali, mas geralmente concordavam comigo quando decidia algo.

Esperamos. A noite veio e foi. A aurora deu as caras no horizonte, e começamos a seguir. Nesse meio termo, começou a nevar.

De longe avistamos uma elevação rochosa. Rark e Larien deixaram os cavalos para trás e foram bater o terreno. Era um ótimo lugar para uma emboscada. Isso se não estivéssemos caindo em uma. Bandidos normais simplesmente nos atacariam na noite; não fazia sentido eles nos seguirem por tanto tempo se não houvesse um plano maior oculto nisso. Fosse o que fosse, íamos dar um fim para a novela.

Eu e Grilo seguimos até a elevação. Grilo. Chamamos ele assim pois o nome que sua mãe lhe deu é um problemão na hora de pronunciar. E o rapaz é magro, esguio e ligeiro; tudo a ver com “Grilo”.

─ Não gosto disso ─ ele disse. Grilo tinha mania de afirmar ser sensível à coisas ruins. Não demorou muito e ele concluiu: ─ Torinks, to com um mau pressentimento. Poderíamos tentar conversar, ou ─

Abanei o comentário dele pra longe. Tínhamos ouro e estávamos sendo seguidos. Não tem o que conversar nesse cenário.

─ Relaxa. ─ sussurrei ─ Vai acabar rápido.

Paramos. Eu e Grilo e os quatro cavalos. Passamos a fingir estar alimentando os bichos ou tirando água do joelho ou qualquer outra coisa. De longe, já podíamos ver nossos perseguidores. Estavam meio ocultos por causa da neve que deixava toda paisagem branca, e por causa de uma dúzia de pinheiros que separava o caminho de onde tínhamos vindo da elevação onde estávamos. Os caras ficaram parados lá por um tempo, e eu já estava me chateando. Olhei de um lado ao outro; sem sinal de Rark ou Larien.

─ Quantos são? ─ ouvi Grilo perguntar atrás de mim.

Estreitei os olhos e enxerguei oito. Impaciente e começando a congelar (pois lá em cima o vento de inverno estava realmente animado), saquei o arco e puxei uma flecha, ajeitei ambos à minha frente, fiz mira, disparei.

─ Sete. ─ respondi, quando vi que matara um deles.

Então as coisas ficaram mais dinâmicas. Os bandidos avançaram. Um deles tinha uma besta, com o qual acertou um virote em meu cavalo. O pobre animal deu um salto de susto e dor, pisou numa pedra escorregadia e rolou encosta abaixo. No instante seguinte eu acertei o nariz do besteiro com uma seta, e foi sua vez de rolar pra baixo. Quando fiz mira pra matar outro, um vento misterioso bateu nas minhas costas e eu me atrapalhei, tentei me mexer, mas descobri que tinha um pé travado numa droga de raiz. Quando olhei para o inimigo, ele já estava na minha sombra, erguendo o machado contra o meu crânio. Nem tive tempo de ficar surpreso, apenas me joguei de lado e a lâmina inimiga passou rente meu ombro. Cai no chão. Ouvi Grilo gritar alguma coisa logo ao lado, mas outro vento sinistro uivou e encobriu sua voz.

Não entendi direito, mas acho que Grilo se jogou contra o sujeito de machado que iria me matar. Ambos escorregaram pra longe, rolando, a alguns segundos de cair da elevação. Libertei meu pé da raiz e tentei ir ao resgate, mas ambos, inimigo e amigo, já haviam sumido.

Bati os dentes e gritei “merda” em pensamento. Grilo era um bom rapaz, e um ótimo percussionista. Seu senso de ritmo era o melhor que encontrara. Seria difícil substituí-lo... Mas não era hora de lamentar. Mais tarde eu faria isso. Virei-me e vi que mais três sujeitos corriam pra mim.

Matei-os. Coração, garganta, olho esquerdo. Uma seta pra cada.

Longe, ouvi alguns ruídos de briga. Pude ver Larien trocando golpes de espadas com um, enquanto outros dois jaziam caídos ao seu lado. Ela estava em algum ponto no começo da elevação. E lá embaixo vi Rark, entre os pinheiros. De alguma forma ele havia se escondido por ali, pensei, surpreendendo os bandidos pelas costas. Já tinha matado meia dúzia (provando que o grupo não tinha somente oito, como avistara) e um último adversário lhe desarmara, jogando seu pequeno machado pra longe.

Peguei outra flecha pra matar aquele último bandido, antes que ele terminasse com Rark. Perdera o percursionista, não podia perder o flautista também.

Meu tiro foi débil, por causa dos fortes ventos, acertando uma panturrilha ao invés da nuca. Mas foi o suficiente: Rark aproveitou o espasmo de dor do inimigo e agarrou sua garganta num bote maligno. Puxou o braço pra trás, e a garganta do cara veio em sua mão. O homem caiu morto e Rark ficou sujo de sangue.

─ Vamos sair daqui. ─ gritou Rark, assim que subiu pra perto, junto com Larien ─ Acho que tem mais deles vindo.

─ E o Grilo? ─ perguntou Larien, ofegante. Tinha uma coxa sangrando; um corte feio que acabara de ganhar na luta. Mal parecia ter notado. Eu notei, e fiquei pensando que aquilo poderia gangrenar facilmente. De repente ela já estava ao meu lado, repetindo: ─ Torinks, cadê o raio do Grilo?

─ Ele caiu.

─ Puta merda.

─ Vamos, rápido ─ era Rark, já aprontando os cavalos.

Quando saímos da elevação rochosa, do outro lado, Grilo estava nos esperando.

─ Minha roupa prendeu numa raiz e eu desci escalando ─ justificou, quando encaramos ele pedindo uma explicação. Mais tarde, agradeci por ter me salvado e, principalmente, por não ter morrido.

Desde então seguimos o dia inteiro num tipo de fuga. Certamente a neve que caía encobriu os rastros na neve que cobria o solo, então, dificilmente estávamos sendo seguidos. Mas por garantia, adiantamos o passo. No meio da viagem, Grilo mostrou um broche que sem querer havia pegado do homem que caíra com ele, mas não tivera a mesma sorte de se prender numa raiz.

─ Ou ele roubou isso do verdadeiro dono ─ disse o rapaz, mostrando o item com uma heráldica esquisita ─ ou ele era o verdadeiro dono. O que significa que matamos um membro do Conselho.

Aquilo poderia ser preocupante.

─ Quer dizer que o Conselho desse reino tem um membro que nas horas vagas sai por ai aterrorizando viajantes de bolsas cheias? ─ objetei e não esperei uma réplica ─ Muito difícil. Deve ter roubado do verdadeiro dono.

E passou. A noite veio, Larien e Grilo foram buscar lenha para manter a fogueira e Rark tentava limpar as mãos. No dia seguinte iríamos seguir viagem até Luvian e continuar a vida. Se a neve desse trégua, chegariamos em menos de dois dias. ■



Hoje. 29º dia do 12º mês, Aurea. Ano 1400.


“Exceto que não eram simples bandidos”, foi o que eu disse lá encima.

Pois é. O cara que quase me matou era sim um membro do Conselho. Nem sei direito como é constituído esse diabo de conselho, e nem me lembro o nome do regente de Fortuna, mas depois descobri que o cara era importante. “Dane-se, ele nos atacou e nós o revidamos”, foi meu pensamento defensivo. E outra: não sobrou ninguém pra contar a história. Matamos todos e depois picamos a mula. Não havia perigo.

Exceto que sempre sobra um moribundo desgraçado que tem tempo de ser resgatado, e só morre depois de contar tudo o que viu.

Maldito.

Talvez por esse tal eu estou onde estou, hoje, no presente momento.

A primeira parte do meu relato é de meses atrás, quando tudo começou. Já essa nota final é o meu diário de prisioneiro.

Ao menos a cela é quente.

E agora, tenho que parar de escrever e esperar o carcereiro me entregar mais tinta. Provavelmente, só daqui dois dias. Ou mais.

Até lá, posso pensar em como narrar a continuação. Aliás, tenho de me esforçar para lembrar as aparências e personalidades dos meus companheiros. Rark, Larien e Grilo. Éramos um bom grupo. 

Hoje, estão todos mortos. ■
 
 

terça-feira, 21 de agosto de 2012

"Manowarriors, raise your hands!"

Essa banda aqui deve ser o maior ícone dentre os role players, disputando uma liça sangrenta com Blind Guardian e Rhapsody Of Fire. É famosa tanto por enaltecer os mitos de Asgard quanto por declarar uma grande paixão pelo metal, tudo numa pegada bem épica. O último disco saiu em 2007, desde lá, regravaram um álbum e fizeram shows por cá e por lá, mas nada de coisa nova. Até o momento.

The Lord Of Steel é o novo material do Manowar. Comparando com seu antecessor, o Gods Of War, esse é bem básico, sem apelar para narrações e orquestrações em meio as faixas. Antes, voltam aos rotineiros acordes arrastados; ao baixo iminente, tão grave que deixa ruídos vibrantes; às letras com mais refrão do que verso. Enfim, prato cheio para os acostumados. Meio sem sal, para os nem tão acostumados assim.

domingo, 12 de agosto de 2012

Dia dos pais

Poucos me reconheceram, e menos ainda vieram falar comigo. Os demais eram rostos desconhecidos para mim; afinal, estive fora por muitos anos, e muitos se mudaram, morreram ou não estavam na favela naquele domingo.

Nostalgia. Eu cresci naquele lugar. Corria em meio aquelas ruelas. Pulava de telha em telha. Empinava pipa. Pichava. Passava trote com os orelhões.

Bons tempos.

Depois, quando meu ultimo dente de leite se foi, eu deixei as coisas de menino de lado, e fui iniciado no mundo das drogas. Deveria ter 13, não lembro direito. Há quem diga que demorei, até. Amigos sempre jogavam na minha cara: “Vendi minha primeira pedra com 7”. Não importava, eu estava no mesmo negócio que eles há muito tempo. Vi muitos saírem do ramo, outros, apreendidos pelos fardados da justiça. Naqueles anos a batalha cresceu, e não demorou muito até eu conseguir meu primeiro calibre .38 com qual furei policiais e rivais de trafico. No inicio eu tinha mania de contar quantos matara; sabe como é, mania de jovem. Mas depois, aos 16, deixei de contar mortes pra contar notas; afinal a venda de drogas se mostrou um investimento maravilhoso.

Bons tempos. Eram bons tempos.
Até que fui pego, é claro.

Desde então: cela, calor humano, banho de sol. Lá, perdi minha capacidade de contar, então nem lembro quanto tempo fiquei apreendido. Mais tarde fui considerado “de maior” e me mandaram pra um lugar mais feio e populoso, mas que tinha direito a visita íntima, cigarro, Rede Globo, Rede Record e TV Cultura.

E no presente momento eu estava de volta. A data permitia.

Aliás, esse é um privilégio que eu nunca entendi direito: liberar presidiário no dia dos pais, mães, crianças, natal, carnaval, e por ai vai. E essas datas eram ótimas para dar uma saída e conseguir uns lances. Os cidadãos civilizados mal reparam: a criminalidade sempre aumenta nos meados dessas datas. E essa falta de atenção é vantagem para nós que sempre o apanhamos dizendo “entra no carro, é um sequestro”, ou, “bolsa e jóias, agora”. Depois do ocorrido, eles fazem queixa (o que não dá em nada, pois a policia também tem que curtir o dia dos pais, mães, crianças, natal, carnaval), reclamam com qualquer um sobre o perigo nas ruas, testemunham no jornal do Datena, e passam a ficar mais espertos a qualquer abordagem de bandido. Mas é temporário, pois no próximo dia de festa eles são pegos de novo e de novo; desatentos, graças à data.

Esse assunto me lembra que tenho de comprar umas caixas de kopenhagen, daqueles de comercial de TV com o Edson Celulari. Depois, embrulhar em papel de presente e mandar para o governador, agradecendo pelo puta privilégio que ele dá aos tantos mil coisa ruim, inimigos públicos, que ─ curiosamente! ─ nem devem ter pai ou mãe ou criança.

Estou incluso entre esses coisa ruim. Mas ao menos tenho um pai.

De frente para casa, reparei que pouco havia mudado. A fachada era mais desbotada, e a fechadura estava diferente. De resto, tudo igual ao que eu tinha em memória. Avancei e bati na porta.

Veio um grito de dentro. Acho que disse “só um instante”. Voz de mulher.

Quando abriu a porta, ficou frustrada. Certamente minha irmã estava esperando outra pessoa e a ultima que imaginava ver era o irmão criminoso. Confesso que fiquei tão surpreso quanto ela; a menina se tornara uma linda jovem, tanto que por um piscar eu não dei conta de quem seria aquela figura.

Perguntei pelo pai. Ela bufou e recuou pra dentro, deixando a porta meio aberta. Quase entrei, mas pensei melhor e resolvi ficar sobre o capacho mesmo.

No instante seguinte o velho de bengala surgiu diante de mim. Ficamos nos encarando, um avaliando o outro e vendo o que os anos haviam feito. Eu tinha crescido em altura e em barba, ele, diminuiu, ficando corcunda. Seu olhar era um misto de fúria e tristeza que eu já estava acostumado, mas era bom rever aquilo, depois de tanto tempo. Seus olhos diziam “o que diabos você esta fazendo aqui?”. Então, ele baixou o olhar para a sacola que eu carregava no punho esquerdo. Olhou de volta pra mim. E agora ele dizia algo tipo “e o que significa isso?”

Eu tinha que ser rápido. Iria voltar à ativa naquela tarde e no dia seguinte e quem sabe voltar pra cadeia, mesmo sabendo que a maioria não o faz. Estava passando rapidamente ali, para uma visita singela. Tinha de ser rápido. Então:

─ Presente pro senhor ─ disse, meio rouco. Tentei um sorriso amistoso, mas o olhar dele sugeriu que eu não tinha me saído bem na tentativa.

Será possível? Eu estava tenso diante do meu pai? Que pensamento estranho. Fiquei só um pouco mais perturbado quando percebi que o homem não iria me responder. Ficou lá, parado, me encarando.

Até que suas mãos se moveram. A bengala caiu.

─ Sabe que não deveria vir ─ ele disse quanto tocou meus ombros. Não havia raiva na voz, mas não sei dizer o que era aquilo. Um tipo de ternura tensa. Uma repreensão rígida e amorosa.

Meti a mão na sacola que trazia e tirei um CD de lá. Sabia que ele era um eclético de grandes hit’s antigos. Iria gostar daquela coleção. No entanto, ele ignorou a foto do Sinatra na capa do CD.

─ Tem Frank Sinatra, Phil Collins, Queen, Etta James, Eric Clapton, dentre outros ─ eu ainda estava tenso, principalmente com ele segurando meus ombros daquele jeito.

Pude ler seus olhos de novo. Diziam “onde foi que eu errei?”. Eu deveria ser sua vergonha. O filho bastardo que trilhou o mau caminho. E talvez aqueles presentes fossem um sal na ferida. E ele sabia. Sabia que aqueles discos importados eram fruto do crime. Adquiri eles graças a um amigo, dono de restaurante. Me indicou onde comprar os presentes e me indicou seu restaurante para conseguir o dinheiro. Me mandou a mensagem confirmando o tramite: “Aqui o movimento é bom. Se você passar às 22h irá conseguir uma boa remuneração. Claro, é 60%/40%, afinal estou lhe dando o ponto de ação, mereço a maior parte. Arruma uns dois camaradas, mascaras e, claro, trate de chegar gritando.”

Ninguém jamais suspeita que o dono do negócio possa fazer algo do tipo com o próprio negócio. Era um bom ramo. E vem ganhado força nos últimos tempos, segundo esse meu amigo. De fato, na TV só se ouve falar de arrastões.

Enfim, resumindo, 1/3 da grana foi para os discos importados.

Tentei me desvencilhar das mãos do velho para poder entregar o presente e me mandar. Mas ele me puxou pra perto e quando pisquei, já estávamos abraçados. Sua respiração no meu cangote era profunda, como se sentisse dor.

─ Feliz dia dos pais ─ eu sussurrei para aquele homem que me apertava contra o peito.

O mesmo homem que um dia abriu uma escola de boxe. Treinou um monte de guris na arte do Balboa, incluindo eu. Sempre fez o melhor para sua comunidade, tirando a rapaziada das ruas e metendo em suas cabeças vazias o compromisso com o ringue e a obstinação em superar as capacidades do dia anterior e do antes desse. Treino, disciplina, respeito; qualidades que afastaram muitos do crime.

Meu pai era um messias em meio o Armageddon.

Até que o diabo mandou seus demônios.

O professor de boxe estava atrapalhando os negócios. Os grandes da favela começaram a se incomodar com a perda de jovens. Pois todos sabemos que hoje uma criança traficante rende mais que um adulto. A policia passa, fala grosso, da um tapa, mas raramente algo critico acontece. No dia seguinte o mesmo moleque esta vendendo crack na quebrada. E os negócios fluem como um córrego fedorento.

Mas meu pai tomou o desafio de impedir que crianças nadassem nesse córrego.

Em pouco tempo, os traficantes perderam boa parte de suas crianças.

Foram falar com o meu pai. No fim da conversa meu bom velho tinha as duas pernas quebradas, um ombro deslocado, inúmeros hematomas na face e duas balas no peito.

Os médicos de plantão o levaram. Todos bem crentes que aquele homem morreria antes de chegar ao hospital. Daí, foram surpreendidos quando uma rápida cirurgia estabilizou o boxeador. Mas o hospital não tinha um leito adequado para atender o homem, e ele morreria de uma forma ou de outra. Agora, era só uma questão de tempo.

Mas não podia ser assim! Não fazia sentido ele morrer. Era injusto demais. Ele era um herói naquela favela. Era o meu herói.

E eu estava disposto a salvá-lo.

Foi quando entrei para o tráfico.

O rápido dinheiro que veio foi todo na entrada de um hospital particular. Arranjaram as pernas do meu pai, deram pontos em suas feridas de tiro, e pronto: o homem viveu. E eu comecei a pagar o preço.

O hospital era caro, então eu tinha de continuar no crime. Não havia outra escolha. E, alem do mais, os traficantes não me deixariam ir depois do talento que demonstrei ter.

Mais tarde, quando meu pai voltou pra casa, eu soube que era hora de ir. Meu herói estava salvo, mas o vilão ainda tinha de pagar.

Fui atrás dos grandes.

E a única forma de vencer o diabo, é virando seus próprios demônios contra ele.

Algumas ligações anônimas. Uma arma roubada de um e posta no carro de outro. Mentiras e mentiras. E de repente todos no cartel suspeitavam de todos. Em meio ao caos, eu subi de posto. Numa madrugada de reunião, liguei para a polícia pra armar emboscada, ela veio e houve troca de tiros. Distraídos com os militares, eu meti uma bala num dos grandes que mal teve tempo de perceber a traição. Fui atrás de outro e fiz o mesmo. Não tinha idéia de quem era mais influente. Tudo que queria era acabar com o crime. Por mim, por todas aquelas crianças usadas e, principalmente, pelo que fizeram ao meu pai.

E às vezes, para eliminar o mal você deve se tornar algo pior.

Não me orgulho das coisas que fiz, até porque o crime continuou e eu fui preso. Mas também não me arrependo de nada.

Fiz o que fiz por meu pai. Sei que foi errado, mas não consigo ver as coisas de outra forma. Até hoje ele ainda faz um tratamento, tomando remédio e recebendo fisioterapeutas em casa. E se me perguntarem por que permaneço no crime, eu mostro as notas dos remédios. São caros. E o único dinheiro que pode pagar por eles é o que eu envio nas datas importantes, quando a cadeia me libera. Dinheiro do crime.

Ali, diante do meu pai, eu queria dizer tudo isso. Dizer o quão louco fiquei quando soube que ele iria morrer num hospital de bosta. Queria falar o que achava dele, demonstrar minha admiração, dizer que era o meu herói.

Queria dizer “eu te amo”.

Mas a minha boca disse:

─ Desculpa pai, eu tenho que ir. Sabe como é, algumas coisas pra resolver, e depois voltar pra cadeia.

Ele não me libertou do abraço. Começou a tremer e me apertou com mais força. Senti sua primeira lagrima molhando meu pescoço. Meus olhos se encheram também, mas eu fui forte e decidi não chorar.

─ Pai, eu ─

Interrompi-me quando ele sussurrou algo. Não pude entender o que dissera, mas logo em seguida fui liberto do abraço. Eu apanhei sua bengala do chão rapidamente, pois sabia que ficar em pé por muito tempo era uma tortura para ele. Entreguei a sacola com os discos e, junto, uma porção de dinheiro.

Só então o olhei nos olhos. Aqueles olhos que diziam tanto e mais ainda.

─ Se cuida ─ eu disse, e me virei antes dele me ver chorar. Fui embora sem olhar para trás.

Não tenho certeza, mas aquele último olhar dele... Eu pude lê-lo também.

Dizia “obrigado, filho”.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Uma Galinha, da Clarice Lispector

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto voo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado.

Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre.

Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se pode­ria contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.

Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos. Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, pare­cia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração, tão pequeno num prato, solevava e abaixava as penas, enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo. Só a menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos:

— Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem!

Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre, nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:

— Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!

— Eu também! jurou a menina com ardor. A mãe, cansada, deu de ombros.

Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: "E dizer que a obriguei a correr naquele estado!" A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto.

Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.

Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos.

Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.