segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O Inimigo de Deus

Um dos mais importantes autores britânicos da atualidade, Cornwell já foi traduzido para mais de dezesseis línguas e suas novelas alcançaram rapidamente o topo das listas dos mais vendidos: foram milhões de exemplares em todo mundo. A chave de seu sucesso está na criteriosa pesquisa histórica e na narrativa envolvente com a qual Cornwell disseca a vida de seus personagens.

A partir de novos fatos e descobertas arqueológicas, Bernard Cornwell retrata em O Inimigo de Deus o maior de todos os heróis britânicos como um poderoso guerreiro que luta contra os saxões para manter unida a Britânia, no século V, no rastro da saída dos romanos. Após vencer inimigos externos e internos, defendendo o trono que deverá ser ocupado por seu sobrinho Mordred, legítimo sucessor de Uther, é a hora de Artur se preocupar em unificar o reino. Mas os conflitos religiosos entre druidas e cristãos parecem mais ameaçadores do que hordas de saxões sequiosos por terras e colheitas. Em contraponto com a sensatez de Artur, surge um Merlin capaz de tudo para resgatar a velha magia da Britânia e reunificar a ilha com seus antigos deuses. Mas Artur só acredita na lei e em juramentos, tornando-se rapidamente o inimigo de todos os fanáticos religiosos.

O Inimigo de Deus dá seguimento ao sucesso de O Rei do Inverno, levando aos leitores a vida de Artur e seu mundo com uma nitidez espantosa jamais conseguida em narrativas anteriores.

Paz. Artur parece enfim ter conseguido a paz entre o povo britânico. O Rei do Inverno termina com essa perspectiva, e O Inimigo de Deus confirma que sim, agora as coisas serão bonitas e belas. Mas um homem ainda não está contente: Merlin.

O druida se empenha na busca de um caldeirão místico que, segundo ele, trata-se de um dos Tesouros da Britânia ─ itens poderosos, embora aparência comum, que escondem o poder dos deuses, sendo fundamentais para invoca-los. E é isso que Merlin deseja: restaurar os deuses da Antiga Britânia, reviver a magia. Acredita que com isso o reino enfim poderia se livrar dos invasores saxões e dos inimigos do druidismo: os cristãos.

O livro vai e volta nesse assunto, mas mantem o pé no chão por quase todas as páginas. Digo, mantém o foco por grande parte do tempo em politica, acordos e guerras, com espaço para amizade, amor e traição.

Artur, como bem disse na sinopse, é o contrário de Merlin. Não chega a ser um cético completo, mas na sua visão, os deuses são seres grandes demais para se importar com meros mortais, logo, deixa de acreditar nos assuntos religiosos e se debruça em juramentos e no número de lanças e suprimentos que terão para enfrentar os inimigos. Totalmente racional, Artur é o melhor líder que um reino quebrado poderia ter. Ele consegue a paz e tenta estabelecer um sistema de irmandade entre os povos para que não haja lutas internas. Mais tardes os bardos chamariam isso de Távola Redonda, mas na verdade foi algo que nunca funcionou, pois Artur veio a descobrir que não importa o tamanho de seus esforços, não importa o quanto sua espada, Excalibur, exprima a justiça cortando inimigos e penalizando culpados, não importa quantas alianças tenha conseguido, não importa... o homem é incapaz de fazer a paz pois é impossível agradar a todos a volta. Sempre alguém saíra contrariado, e este é o que lança nova lenha nas piras das intrigas, a chama se espalha rapidamente e então temos guerra de novo.

Artur é considerado o inimigo de Deus, o inimigo dos cristãos. É considerado um pagão, portanto, um líder inapropriado para guiar o povo britânico à vitória. A teoria é alimentada pela crença de que em 5 anos, quando o calendário marcar o ano 500, Cristo irá voltar a Terra. Mas isso não pode acontecer enquanto a Britânia estiver cheia de pagãos. E como Artur tolera todas as religiões, não tomando partido, o fato dele não combater os pagãos o tornou inimigo dos cristãos. Daí, guerra para derrubar Artur.

Neste livro, ele é apunhalado por todos os lados, obrigado a tomar duras decisões para ainda tentar manter o reino vivo. Tudo por causa de juramentos. Sua vontade era ser livre, morar numa fazenda, nunca mais brandir a espada. Mas um juramento ao antigo rei o impede de deixar os campos de batalha enquanto o reino não estiver pronto para que Mordred, o legitimo rei, possa reinar quando tiver idade.

Juramentos. Tão pesados são eles que Artur chora e desabafa:
“Não gosto de juramentos, e nenhum homem deveria gostar, porque os juramentos nos atam, tiram nossa liberdade. E quem não quer ser livre? Mas se abandonarmos os juramentos, abandonamos a orientação. Caímos no caos. Simplesmente caímos. Não seremos melhores do que os animais.”

Ele diz isso quando abandona uma antiga amizade por causa de um juramento. Esclarece que sem juramentos qualquer um poderia ser rei, qualquer um poderia tomar o poder, não haveria ordem. E Artur não abre mão disso tudo, ainda que desejasse muito a liberdade. Mas mesmo o seu trabalho de manter os juramentos parecem falhos, pois Mordred, o jovem futuro rei, é um rapaz inapropriado em todos os sentidos, incapaz de reinar. E muitos veem isso. E muitos sugerem que Artur reine. Exceto, claro, os cristãos.

Em meio tudo isso, observamos Derfel, o narrador. Ele faz a busca do caldeirão com Merlin. Se entrega ao amor, constitui uma família. Reencontra sua mãe, descobre quem é o seu pai. Luta contra os saxões, luta contra os cristãos. Perde um ente querido, e a narração de Cornwell descrevendo as cenas dramáticas consegue passar todo o sentimento de luto, transmitindo momentos de grande emoção, capazes de tocar o leitor. E aí surge um Derfel em busca de vingança, surge um Derfel capaz de levar o leitor para dentro de um soldado da Britânia, um soldado de Derfel Cadarn, que torce por ele, que luta ao seu lado nas paredes de escudo, que vê a batalha rugindo ali perto e sente o cheiro de sangue dos campos pós-guerra.

O Inimigo de Deus segue arrepiando com As Crônicas de Artur, trazendo o clima de final feliz e logo depois virando a mesa, formando o caos enquanto saxões lutam com britânicos que lutam contra outros britânicos que lutam contra cristãos que lutam contra pagãos. Bernard Cornwell segue sua aula de História, com ótimos detalhes daquele antigo reino, e acrescenta um bônus sobre o laço oscilante entre politica e honra, além de uma sombra do folclóre celta.

Grande livro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário