quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Excalibur

Excalibur é o último volume da trilogia As Crônicas de Artur, do escritor inglês Bernard Cornwell sobre o lendário guerreiro Artur, que passou para a história com o título de rei, embora nunca tenha usado uma coroa. 

Em As Crônicas de Artur, Cornwell desenha um Artur familiar e desconhecido. Um dos inúmeros filhos ilegítimos do rei Uther Pendragon, sem o menor interesse pelo poder, sua única ambição é manter o juramento ao rei de direito, Mordred, e ajudá-lo a lutar pela paz. Ao mesmo tempo, o autor nos revela locais conhecidos e personagens esperados: o mago Merlin, a bela Guinevere, Lancelot ─ aqui retratado como um covarde ─ e a lendária Távola Redonda.
Neste terceiro volume da série, iniciada com O Rei do Inverno e O Inimigo de Deus, o escritor imerge o leitor em uma Britânia cercada pela escuridão. E apresenta os últimos esforços de Artur pra combater os saxões e triunfar sobre um casamento e sonhos desfeitos. Excalibur mostra, ainda, o desespero de Merlin, o maior de todos os druidas, ao perceber a deserção dos antigos deuses bretões. Sem seu poder, Merlin acha impossível combater os cristãos, mais perigosos para a velha ilha do que uma horda de famintos guerreiros saxões.
O livro traz vívidas descrições de lutas de espada e estratégias de guerra, misturadas com descrições da vida comum naqueles dias: longas barbas servindo como guardanapos, festivais pagãos, com sacrifícios de animais, e pragas corriqueiras, como piolhos. Tendo por narrador um saxão criado entre os bretões, Derfel, braço direito de Artur, Excalibur acompanha os conflitos internos de Artur, recém-separado da esposa, mas ainda apaixonado por sua rainha. Atacado por velhos inimigos, perseguido por novos perigos.

Mestre Cornwell não quer saber se o leitor apertou os cintos; ele pisa fundo e sai atropelando, sem permitir um tempo pra respirar. Pois, terrivelmente inspirado, ele abre Excalibur com bons diálogos e encontros até alcançar, dentre as primeiras dúzias de páginas, o provável melhor combate singular (um contra um) escrito desde o início das crônicas.

Isso ocorre num período em que Artur enfim assume o fato de que é o líder da Britânia e agora pesa os olhos no futuro próximo em que o combate definitivo contra os saxões será travado. Ao mesmo tempo temos Merlin, que se concentra em preparar um grande ritual para invocar os deuses antigos e assim derrotar os saxões. Contudo, o ritual se mostra uma verdadeira loucura, eficiente apenas através de sacrifícios humanos. E nesse ponto, Artur impede Merlin e assim coleciona mais um punhado de inimigos: os cristãos já o odiavam, e agora os pagãos quem olhavam feio e cuspiam maldições contra Artur, por ele ter impedido o sagrado ritual.

Mas não houve tempo para um novo desentendimento entre os próprios britânicos, pois os saxões chegaram num ataque surpresa e os homens pegaram em armas para defender a Britânia. E então, batalhas. E nas batalhas, Derfel, o narrador, relata coisas como:

"Um ódio terrível cresce na batalha, um ódio que vem da alma negra para preencher os homens com uma raiva feroz e sangrenta. Alegria também. Eu sabia que a parede de escudos saxã iria se romper. Sabia muito antes de atacá-la. A parede era fina demais, tinha sido feita muito às pressas, e estava nervosa demais, por isso saí de nossa primeira fila e gritei meu ódio enquanto corria para o inimigo. Nesse momento eu só queria matar. Não, eu queria mais, queria que os bardos cantassem sobre Derfel Cadarn no Mynydd Baddon. Queria que os homens me olhassem e dissesem: ali está o guerreiro que rompeu a parede de escudos no Mynydd Baddon, queria o poder que vem da reputação. Uma dúzia de homens na Britânia tinha esse poder; Artur, Sagramor e Culhwch figuravam entre eles, e era um poder que suplantava todos os outros, menos o do rei. O nosso era um mundo em que as espadas davam status, e esquivar-se da espada era perder honra, por isso corri na frente, com a loucura enchendo a alma e a exultação dando-me um poder terrível enquanto escolhia minhas vítimas. Eram dois jovens, ambos menores do que eu, ambos nervosos, ambos com barbas ralas, e ambos estavam se encolhendo mesmo antes de eu acertá-los. Eles viram um comandante guerreiro britânico em todo o esplendor, e vi dois saxões mortos. 
Minha lança acertou um na garganta. Abandonei a lança enquanto um machado se chocava contra meu escudo, mas eu o vira chegando e sustentei o golpe, depois bati o escudo contra o segundo homem e enfiei o ombro na barriga do escudo enquanto pegava Hywelbane com a mão direita. Baixei a espada e vi uma lasca voar do cabo de uma lança saxã, depois senti meus homens jorrando atrás de mim. Girei Hywelbane acima da cabeça, baixei-a de novo, gritei de novo, virei-a de lado, e de repente diante de mim havia apenas capim aberto, campânulas, a estrada e as campinas do rio. Eu havia atravessado a parede e estava gritando minha vitória. Virei-me, enfiei Hywelbane nas costas de um homem, torci-a puxando de volta, vi o sangue derramar na ponta, e de repente não havia mais inimigos. A parede saxã tinha desaparecido, ou melhor, tinha sido transformada em carne morta e agonizante que sangrava no capim. Lembro-me de ter levantado o escudo e a lança para o sol e soltado um grito de agradecimento a Mitra."

E como sabiamente dito na sinopse, as táticas de guerra são precisas, com um texto que põem o leitor lá no meio do campo de batalha, compreendendo de onde vinham os lanceiros e de onde viria a cavalaria para flanquear o exército inimigo e de como o ambiente a volta, e o que está nele, pode ser usado como arma.

E nessa grande batalha, localizada num monte que Cornwell chamou de Mynydd Baddon, temos luta singular, quando um combatente saxão mija no estandarte de um rei britânico, e este, diante de tamanha zombaria, apronta sua espada e vai para a luta inflamado de orgulho e fúria. Temos um homem com suas tropas reduzidas, mas que mesmo diante de um convite de desistência por parte dos inimigos, ele, bravo, preferiu morrer lutando, crente que assim sua alma seria honrosamente levada até Valhala, onde estaria com seus irmãos mortos em batalha e se regozijaria com bebidas, mulheres e mais lutas. Temos toda aquela cena cinematográfica em que um aliado resolve surgir num momento crítico, somando suas tropas à luta e salvando o dia. E tem mais coisas que não lembro agora, pois certamente a batalha no Mynydd Baddon foi a que mais comeu páginas dentre os três livros. E Derfel compartilha o sentimento e a filosofia de um lanceiro numa parede de escudos:

"Lembro-me da confusão e do ruído das espadas se chocando contra espadas, do choque de escudos batendo contra escudos. A batalha é uma questão de centímetros, e não de quilômetros. Os centímetros que separam um homem de seu inimigo. Você sente o cheiro de hidromel no hálito dele, ouve a repiração em sua garganta, ouve seus grunhidos, sente-o mudar o peso, sente o cuspe dele em seus olhos, e procura perigo, olha para os olhos do próximo homem que deve matar, encontra uma abertura, ocupa-a, fecha a parede de escudos de novo, dá um passo a frente, sente o impulso dos homens que vêm atrás, meio que tropeça nos corpos dos que matou, reupera-se, empurra, e mais tarde lembra de pouca coisa, a não ser dos golpes que praticamente o mataram. Você trabalha, empurra, golpeia para fazer uma abertura na parede de escudos, e em seguida rosna, estoca e corta para aumentar a abertura, e só então a loucura toma conta quando o inimigo se rompe e você pode começar a matar como um Deus, porque ele está apavorado e correndo, ou apavorado e imobilizado, e tudo que pode fazer é morrer enquanto você colhe almas."

E mesmo depois de tanto sangue molhando os campos verdes da Britânia e tantos urubus fartos da carne dos soldados mortos, Excalibur termina... de passar da metade de seu total de páginas.

Há um instante de paz. Depois o caos ressurge junto a tirania e então: nova rebelião entre os britânicos. Voltamos para os assuntos dos deuses, e de repente Derfel corre para salvar a vida de sua mulher. Pessoas morrem, mas duas delas mereciam mortes especiais e Cornwell termina com eles de forma justa, para a alegria do leitor. E ao fim, o epilogo me foi bem satisfatório, deixando a tão intrigante e confusa vida do histórico Artur pendendo, sem um ponto final.

E é isso. O retorno d’As Crônicas de Artur é um ótimo período de entretenimento, de repulsa ou fascínio pela realidade de morte que só um combatente conhece, e, claro, de aprendizado a cerca do que talvez tenha sido a Britânia e como eram os seus personagens, rodeados de superstições, rixas religiosas, honra e amizade, amor e traição.

Ufa!

Agora posso respirar e soltar o cinto.

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