quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O Arqueiro

A trilogia A Busca do Graal tem como cenário a Guerra dos Cem Anos, um conflito dinástico iniciado em 1337, com Eduardo III reivindicando a coroa da França, e que terminou com a tomada de Bordeaux pelos franceses, em 19 de outubro de 1453. As tramas, os homens e as histórias por trás da luta pela coroa francesa confirmam Bernard Cornwell como um dos principais escritores históricos da atualidade. Uma fábula sobre guerra e heroísmo que encanta do início ao fim.

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Aos 18 anos, Thomas vê seu pai morrer em seus braços após um ataque surpresa à aldeia de Hookton. Um lugar simples que escondia um grande segredo: a lança usada por São Jorge para matar o dragão, uma das maiores relíquias da cristandade.

Em busca de vingança contra um homem conhecido apenas como Arlequim, o rapaz, um arqueiro habilidoso, se junta ao exército inglês em campanha na França, onde se envolve em batalhas e aventuras que, sem perceber, lançam-no na busca do lendário Santo Graal.
Com este romance, Bernard Cornwell usa o cenário da Guerra dos Cem Anos para dar início a uma saga tão empolgante quanto as aventuras de Artur e seus cavaleiros, narradas em As Crônicas de Artur, que transformaram para sempre a imagem daqueles heróis míticos.

O primeiro livro da trilogia A Busca do Graal, O Arqueiro, introduz o leitor numa sequencia de batalhas que chegam a causar vertigem. Não há descanso. Hoje, há apenas a ligeira impressão de vitória, e, no dia seguinte, outra luta deve ser travada. E o bacana é que, conforme a nota do autor, todos os confrontos escritos no livro de fato aconteceram na História. Apenas dois eventos específicos foi ficção criada pelo autor; ambas ocasiões com o objetivo de explorar melhor um personagem para ligar as amarras da trama. De resto, é o puro conhecimento recolhido de registros do século XIV pra cá, tudo pesquisado a fundo e recontado com a audácia e paixão que só um romancista tem.

Mas O Arqueiro não é, apenas, um livro da realidade brutal daquela época de guerra entre os ingleses e franceses, cheia de flechas perfurando têmporas, cota de malha remendada e armadura reluzente, estandartes e fumaça das queimadas ondulando ao vento, grandes cavalos relinchando com seus cavaleiros matando a direta e a esquerda, escadas sendo erguidas e muros tomados e cidades saqueadas e civis assassinados e mulheres violadas. Não, não apenas isso. Existe uma parte ─ a bem da verdade, uma pequena parte, neste primeiro livro ─ voltada para o mito do Graal: o tal cálice em que Cristo compartilhou o vinho com seus discípulos, na última ceia. E o Graal está intimamente relacionado à família do protagonista, Thomas, um jovem inglês perito com arco e flecha que mal sabe a importância do seu sangue, que é ─ provavelmente ─ de família nobre.

Thomas iniciou sua jornada por vingança, a fim de achar o assassino de seu pai. Mas ao se unir às tropas inglesas, a rotina de um exército acabou desviando seu objetivo primário, e por um instante Thomas é apenas mais um homem comum que deseja matar franceses, reunir dinheiro, dormir e acordar no dia seguinte. Mas o passado volta para arrebatá-lo. E então Thomas assume de volta, ainda que relutante, o juramento que fizera ao seu pai: achar e matar o Arlequim e, em memória ao seu pai, recuperar a suposta lança de São Jorge. E em meio esta busca (da metade do livro pra frente) é que o Graal começa a ser mencionado. Thomas, no entanto, é um cético: não acredita no Graal. Mas, como já dizia Merlin na trilogia de Artur: o destino é inexorável. E Thomas, sendo cético ou não, é empurrado por uma ponte estreita onde tudo que pode fazer e caminhar pra frente, trilhando uma vida em que não tem quase nenhum poder de escolha; as coisas simplesmente vão acontecendo e ele continua caminhando de encontro ao cálice santo.

A narração, em 3ª pessoa, acompanha em grande parte os passos de Thomas. Mas outros personagens mais distantes, ou relacionados com o que está acontecendo próximo à Thomas, acabam sendo observadas pelo narrador. Por exemplo, isso acontece muito nas batalhas: em um capitulo a narração viaja para as linhas francesas, onde foca num determinado comandante de guerra, e mostra seus diálogos com escudeiros e padres. Depois, a narração volta para o lado inglês, para acompanhar os feitos de um conde, também comandante. Esses saltos de personagens permitem que o leitor sinta a batalha de diferentes pontos de vista, desde aquele que esta disparando flechas ou cavalgando ao que está de longe, analisando o combate e ordenando o exército.

E assim como n’As Crônicas de Artur, Cornwell se mostra bom em manipular personagens, explorando uma lógica humana em que qualquer caráter pode sofrer mutações conforme as circunstâncias do momento. Um exemplo: há uma condessa viúva, buscando um porto seguro em meio as consequências da guerra, e, até aqui, ela parece a típica princesa indefesa, mas quando enfim alcança o favor de alguém bem-sucedido, ela se converte numa personagem egoísta. E embora eu tenha ficado cabreiro com ela, acabei por entendê-la, considerando a época, a guerra e o além. Entendi que aqueles que viviam numa época dura tinham de tomar atitudes duras, o que aos olhos de um sujeito do século XXI pode parecer pouco solidário, um ato deplorável, uma corrupção dos valores, etc.

O Arqueiro é uma abertura de luxo ao show de conhecimento histórico que A Busca do Graal promete. E Bernard Cornwell é aquele professor que te faz gostar da matéria, além, óbvio, de ser um baita escritor.

Epígrafe do livro:

“...muitas batalhas mortais foram travadas, pessoas assassinadas, igrejas roubadas, almas destruídas, jovens e virgens defloradas, esposas e viúvas respeitáveis desonradas; cidades, mansões e prédios incendiados, e assaltos, crueldades e emboscadas cometidas nas estradas. A Justiça falhou por causa dessas coisas. A fé cristã feneceu e o comércio pereceu, e tantas maldades e coisas horrendas seguiram-se a essas guerras, que não podem se mencionadas, contadas ou anotadas.”
João II, Rei da França, 1360

2 comentários:

  1. Li as Crônicas de Arthur e sempre fiquei muito curioso em relação a esta obra. Realmente, parece um livro muito bom.

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    1. Sim Odin, O Arqueiro é mais um ótimo escrito do Conrwell, mas acho que A Busca do Graal não deve ser melhor que As Cronicas de Artur. Ora, Derfel, Merlin, Artur e companhia são insuperáveis!

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