terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Secreções, Excreções e Desatinos

Os contos de Secreções, excreções e desatinos tratam de aspectos biológicos e anatômicos do homem, devolvendo-o, em certa medida, a sua constituição animal. Mas, fiel a tudo que é humano, Rubem Fonseca mostra que sempre há algo que vai além dos aspectos físicos, como o estigma cultural (no conto "O corcunda e a Vênus de Botticelli"), a vontade de controlar o destino (em "Copromacia", sobre a possibilidade de advinhar o futuro por meio das fezes), os limites do desejo (em "A natureza, em oposição à graça"), ou mesmo o amor (em "O estuprador"). Conciso e brutal, nos 14 contos deste livro Rubem Fonseca demonstra que a principal força de sua literatura é nunca se acomodar.

Rubem Fonseca é o cara do texto rápido e direto, sem palavras bonitas, sem contornos e perfumaria. Adotou a violência urbana como principal inspiração para retratar o cotidiano de seus personagens que são cercados de perturbações pessoais ─ que geralmente dão em algum ato violento (assassinato, suicídio, estupro). Ele escreve coisas pesadas, do tipo que pode causar repugnância ─ tal como a violência da realidade.

Repugnância, rá, essa é a palavra para os contos deste livro. É quase um dossiê sobre as naturalidades do corpo e comportamento humano, muitas delas "imperfeições inatas". O primeiro conto do livro já introduz uma questão pertinente:

"Por que Deus, o criador de tudo o que existe no Universo, ao dar existência ao ser humano, ao tirá-lo do Nada, destinou-o a defecar? Teria Deus, ao atribuir-nos essa irrevogável função de transformar em merda tudo o que comemos, revelado sua incapacidade de criar um ser perfeito? Ou sua vontade era essa, fazer-nos assim toscos?"

E daí pra frente são 14 contos com personagens distintos vivendo suas vidas normalmente, em convívio com as danadas secreções e excreções e desatinos ─ fezes, urina, saliva, caspa, sangue, purulência, coriza, cerume, meleca, menstruação, esperma, flatos, gagueira, gula, nanismo, narcisismo, adiposidade, timidez, superstição, acaso, bondade, fracasso e Deus.

Há quem sinta prazer em sua "deformidade", mesmo sendo algo que está acabando com a vida de casado (no conto "Vida"). Por outro lado, há quem tem vergonha de sua deformidade e de repente se descobre amado, com ou sem seu espinho na carne (como nos contos "O estuprador" e "Encontros e desencontros"). Cada conto explorando casos rotineiros curiosos com falas curtas que muito expressão, tornando a leitura algo que se lê hoje e entende-se de um jeito. Amanhã, a interpretação pode ser diferente, conforme se percebe aquele comentário ou aquela ação que antes parecia não ter tanto impacto. Daí um destaque: um livro que gera a vontade de ser revisitado, no futuro. Claro, os efeitos dele varia conforme o estômago do leitor. 

Em todo caso, recomendo.  

AQUI tem um dos contos do livro.

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