domingo, 27 de junho de 2021

Cárcere

Supõe que eu mostrasse que é em prol de si que o povo escolhe um rei, e não em prol dele, para que, graças a seus esforços e empenhos, o povo possa viver em conforto e segurança; que é dever do príncipe pôr o bem-estar de seu povo à frente do seu, da mesmíssima forma que é função de um pastor digno desse nome alimentar não a si, mas a seu rebanho. A experiência mostra como se enganam os que pensam que a pobreza do povo é uma garantia de paz — onde encontrarás mais brigas do que entre mendigos? Quem está mais disposto a subverter as coisas do que o indivíduo mais insatisfeito com seu atual modo de vida? E quem é mais temerário em atacar a ordem estabelecida, na esperança de algum proveito, do que o homem que não tem nada a perder? Se um rei é tão desprezado e detestado por seus súditos que não consegue mantê-los em ordem a não ser intimidando-os com ameaças, extorsões e confiscos, reduzindo-os à mendicância, então melhor seria abdicar do que conservar o trono por meios tais que, ainda que conserve o título, perde toda a majestade de um rei — reinar sobre mendigos não condiz com a dignidade de um rei; ele deve ter súditos prósperos e contentes. É decerto isso que queria dizer Fabrício, aquele homem de espírito íntegro e altivo, ao afirmar que preferia governar os ricos a ser ele mesmo rico; e decerto entregar-se sozinho a luxos e prazeres, cercado pelos prantos e lamentos de outros, não é governar um reino, e sim um cárcere; por fim, tal como é inútil o médico que só sabe curar uma doença infligindo outra, da mesma forma aquele que não conhece outra maneira de melhorar a existência dos cidadãos a não ser lhes tirando as amenidades da vida está admitindo que não sabe governar homens livres.

— Thomas More, em Utopia

segunda-feira, 7 de junho de 2021

No Pátio do Dragão, do Robert W. Chambers

Produção pandêmica. 

Na mitologia criada por Chambers, há uma peça de teatro chamada O Rei de Amarelo — quem lê essa arte demoníaca, enlouquece. Enlouquece também, hoje percebo, aquele que resolve editar podcast pela primeira vez, hm. Há também um ganho de dor nas costas pelo tempo sentado em frente aos espectros sonoros no Audacity. Fortes chances do conteúdo — um conteúdo que você escuta mil vezes antes de terminar o processo de edição — grudar na sua mente com forças várias, a ponto das falas aparecerem de repente quando você está andando na rua, lavando louça, checando saldo bancário. Não conversa sozinho? Vai começar. Se eu voltarei a fazer isso? Claro que sim. Recomendo.  

Com fones, por favor:

 

Fiz a leitura deste No Pátio do Dragão, que só foi possível graças às letras do Edmundo Barreiros, tradutor d'O Rei de Amarelo publicado em 2014 pela editora Intrínseca. As trilhas eu peguei da biblioteca de áudio do Youtube. Os efeitos, bem, há muitos lugares com sonoplastia gratuita; de todos, fiz do 99Sounds minha morada. As aparições do Rei de Amarelo e do Monsenhor foram colaboração do meu irmão de projeto, Ricardo Augusto.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Escape Of The Phoenix, do Evergrey

Uma catarse sonora completa e necessária. Você pode descobrir energias represadas ao som de "Forever Outsider" na mesma medida em que pode achar nova calma e reflexão com "Stories"

Assim de primeira você sente que é um novo Evergrey: "Where August Mourn" e "The Beholder", esta com participação do James LaBrie, são as diferentonas que se ajustam tão depressa quanto uma roupa nova. Evergrey envelhece bem porque explora outros horizontes — dica pra vida. 

Tom Englund cantando pra caralho: destaque para "In The Absence Of Sun" e "Eternal Nocturnal".

 

 

E uma outra recomendação, o melancólico Satelities, do Silent Skies. 

Em 2018, Tom gravou o bom Long Night's Journey Into Day com o Redemption, conheceu o tecladista Vikram Shankar, e daí projetou o Silent Skies: voz e piano, com algumas cordas de apoio. Toda a experiência com navegação (tempestades internas e externas, a busca por um horizonte limpo, calmarias) somada à separação da esposa, parece o combustível criativo do artista. É tudo muito contemplativo e triste; não existe armadura eficaz contra essas melodias.