sábado, 19 de outubro de 2013

O Temor do Sábio

"Devorei em um dia e já estou louco pelo próximo. Ele é muito bom, esse tal de Rothfuss." ─ George R. R. Martin, autor d'As Crônicas de Gelo e Fogo.

O Temor do Sábio dá continuidade à impressionante história de Kvothe, o Arcano, o Sem-Sangue, o Matador do Rei. 

Quando é aconselhado a abandonar seus estudos na Universidade por um período, por causa de sua rivalidade com um membro da nobreza local, Kvothe é obrigado a tentar a vida em outras paragens.

Em busca de um patrocinador para sua música, viaja mais de mil quilômetros até Vintas. Lá, é rapidamente envolvido na política da corte. Enquanto tenta cair nas graças de um nobre poderoso, Kvothe usa sua habilidade de arcanista para impedir que ele seja envenenado e lidera um grupo de mercenários pela floresta, a fim de combater um bando de ladrões perigosos. 

Ao longo do caminho, tem um encontro fantástico com Feluriana, uma criatura encantada à qual nenhum homem jamais pôde resistir ou sobreviver ─ até agora. Kvothe também conhece um guerreiro ademriano que o leva a sua terra, um lugar de costumes muito diferentes, onde vai aprender a lutar como poucos.
Enquanto persiste em sua busca de resposta sobre o Chandriano, o grupo de criaturas demoníacas responsável pela morte de seus pais, Kvothe percebe como a vida pode ser difícil quando um homem se torna uma lenda de seu próprio tempo.

Quem frequenta a hospedaria Marco do Percurso jamais suspeita daquele sujeito ali, o Kote, o homem atrás do balcão, de avental, papo fácil e razoavelmente simpático, longe de ser um senhor embora com ar de velho. Sujeito simples, dono de uma hospedaria mais simples ainda. Ora, suspeitar de um cara desses? Como assim? Tanto que se ele contar quem realmente é, você ri na cara dele. Não acredita. Solta um "boa piada Kote".

Na verdade esse mesmo homem é (ou foi?) o que a sinopse bem diz: uma lenda no seu próprio tempo. E, no entanto, lá está ele, numa hospedaria.

Já falei isso na postagem do primeiro livro (O Nome do Vento), mas resumindo: Um homem reconheceu Kote. Identificou ele como o Kvothe que todos conhecem, aquele que imortalizou seu nome por todos os cantos do mundo civilizado, de modo que muito depois de sua morte ainda será lembrado. Esse homem que o encontrou é um escriba, um sujeito interessado em escrever a verdadeira história do lendário Kvothe. Kote aceita. Combina contar sua trajetória em três dias. E cada dia é um livro fechado.

Cheguei no fim do segundo dia e até o momento nada do passado do personagem esclarece sua atual condição, numa hospedaria. Muito menos quem é o misterioso Bast, seu discípulo e ajudante. Eita curiosidade, fica em alta por toda a leitura enquanto se procura explicações em cada capitulo (como ele deu onde deu? Por que se esconde? O que aconteceu com a D...?). Não é a toa que George R. R. Martin disse o que disse. Patrick Rothfuss tem o dom; sua narração do fantástico, da ficção, faz o mundo real ter pouca importância. Resultado: o leitor termina o livro em dois tempos, e depois lembra de soltar o fôlego.

A sinopse faz o trabalho sensacional de resumir o livro, me deixando sem ideias de como prosseguir com o texto. Então, vou fingir que a sinopse não existe pra tecer meus comentários semi originais: Continuando diretamente do fim do primeiro livro, Kvothe ainda é um promissor estudante da Universidade e músico construindo fama. Por um motivo lógico, deixa o lugar e viaja para longe. Esteve por muito tempo procurando um patrono, alguém que lhe financie sua carreira musical; e finalmente acha a oportunidade. O preço é sobreviver em meio a uma nobreza com algumas frescuras enquanto "trabalha" para o seu futuro patrono.

Então, uma chuva de eventos frenéticos. Kvothe, de uma hora pra outra, acaba sendo encarregado de cumprir a missão de caçar uns bandidos que vinham tocando o terror nas estradas do seu patrão. Se alia à um interessante grupo de mercenários. Enfrenta os bandidos. Um pouco depois, encontra a tal Feluriana ─ a mulher mais bela de todas, um mito, uma lenda, e no entanto, olha ela lá, bem real, se banhando no lago, a pele nua clareada pelo luar. Atrai os homens, e no fim eles morrem ou ficam loucos ─ pelo desgaste físico e psicológico que aquele ser sobrenatural implica aos meros mortais, depois de relações sexuais. Muitos homens vão dessa pra melhor de bom grado... Mas Kvothe é o protagonista e o autor decidiu que é interessante mantê-lo vivo, mesmo após Feluriana... Depois, já que a chuva de eventos não parava mesmo, Kvothe resolveu se molhar um pouco mais: acompanhou um dos mercenários com que fez amizade, indo parar numa região distante, uma escola. Lá, assimilou toda uma filosofia, um idioma novo. E aprendeu a lutar como gente grande.

Alias, lutas interessantes. Trata-se de uma arte marcial em que cada golpe possui um nome. Debulhar Trigo, Raio Atirado, Urso Dormindo, Ferro Ascendente. Coisas do tipo, que nem sempre esclarecessem o golpe em si. E tem trechos que são narrados apenas com esses títulos, por exemplo:

"Shehyn aproximou-se de mim devagar, fazendo Mãos de Faca. Contra-ataquei com Colher a Chuva. Depois, fiz Ferro Ascendente e Entrada Veloz, mas não consegui tocá-la. Ela acelerou um pouquinho, fazendo o Sopro Giratório e o Golpe à Frente ao mesmo tempo. Aparei um dos golpes com Agitar Água, mas não consegui escapar do outro. Ela me tocou abaixo das costelas e na têmpora, com a leveza de quem encostasse o dedo nos lábios de alguém."

Ou seja, cabe ao leitor visualizar a cena e decidir o que é cada golpe. Sensacional!

A chuva ainda persiste, já um pouco mais fraca por estar no final do livro. Kvothe resgata duas meninas sequestradas, põem em pratica toda arte marcial que aprendeu e salva a memória de sua família em meio uma questão de honra. Recebe as devidas recompensas por tudo que tem feito e recebe a tão desejada reputação. Seu nome viaja pra longe, lá vai noticias de um jovem  ruivo que derrotou um bando de bandidos invocando fogo e relâmpago. Dizem que um tal de Kvothe dobrou Feluriana à sua vontade. Até coisas do primeiro livro voltam à tona e somam reputação heroica no currículo do rapaz. Ele só não contava que essas histórias a seu respeito, algumas verdadeiras outras não, fossem capaz de durar e se espalhar tanto... Na época, ele era jovem, e gostou da ideia de criar uma reputação. Mas é visível que o homem de avental atrás do balcão da Marco do Pecurso deve se arrepender de ter criado parte dessa fama toda.

E o segundo dia termina.

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