sábado, 13 de abril de 2013

Os Senhores do Norte

“E então eu, Uhtred, soube que estávamos perdidos. Tudo dependeria da surpresa, e agora que havíamos sido descobertos não tínhamos chance de chegar à muralha norte. Os homens das plataformas de luta se viraram para nos olhar, alguns receberam ordem de descer das fortificações e estavam formando uma parede de escudos logo atrás do portão. Os cavaleiros, cerca de trinta, vinham esporeando na nossa direção. Não somente havíamos fracassado, mas eu sabia que teríamos sorte se sobrevivêssemos.”
OS SENHORES DO NORTE é o terceiro volume das Crônicas Saxônicas, série que apresenta o lendário rei Alfredo, o Grande, e seus descendentes, narrando a criação da Inglaterra que hoje conhecemos. Uma história poderosa feita de traição, romance e luta, numa região de conflitos, levantes e glória onde Uhtred, um nortumbriano criado como viking, homem sem terras, guerreiro sem país, se tornou herói.

Uhtred é um zombador nato. Ele sabe que rogar insultos para um inimigo em meio uma batalha é eficiente ─ insultos geram fúria e assim impedem que o inimigo pense direito. E Uhtred faz sua voz audível, chama o inimigo para um combate singular já dizendo que irá estripá-lo e depois mijar em sua garganta e depois abre um sorriso, do tipo que inflama o inimigo de ódio. Ele agradece a Odin pela oportunidade de matar tal adversário e grita ao seu deus que muito em breve um novo guerreiro estará chegando no Valhala. Faz isso para que as tropas inimigas ouçam a sua bravata de vitória. Daí ele xinga o inimigo uma vez mais e o incita a loucura, e enquanto está evitando os primeiros golpes do adversário, ele, Uhtred, está rindo, sem nunca parar de falar. Sem nunca parar de se apresentar ─ “Eu sou Uhtred”, diz ele evitando um novo golpe, “aquele que irá lhe matar!”. Diz em grande voz para que o próprio Odin ouça. Assim, todos que ali estiveram saberão que aquele guerreiro é Uhtred e que o seu braço da espada é mortal. Pois reputação é tudo.

Mas, apesar de dominado por um espirito de luta e júbilo, Uhtred tem medo. Ele sabe que pode morrer. Sua primeira grande vitória, por exemplo, foi num momento de sorte. Ele sabe que o inimigo pode igualmente ter um momento de sorte, desviar sua espada de lado e num movimento rápido cortar o seu pulso. Ele sabe que pode pisar em falso e escorregar e no instante seguinte ter o inimigo sobre si e somente torcer por uma morte rápida, digna do guerreiro que fora. Uhtred tem plena consciência de sua mortalidade. Mas quando está lutando, quando há uma reputação a ser criada, Uhtred não deixa o homem mortal aparecer junto com a preocupação e a hesitação. Uhtred confina sua consciência mortal em algum espaço obscuro dentro de si e assume a pele de deus. Fala como um deus da guerra e luta como um ceifador de vidas. Encoraja cada amigo a seu lado e faz cada inimigo repensar até onde vai a tal da coragem. E no fim do dia todos sabem quem é Uhtred.

Falo tudo isso pois um dos melhores trechos d’OS SENHORES DO NORTE é um combate singular, as posturas de cada um no momento da luta e as consequências finais. Até aqui é possível perceber que Uhtred, o narrador dessas crônicas, é um sujeito rebelde, justo a sua maneira, com um bom faro para tramoias politicas e meio que conformado com a vida que segue, crente de que o destino não pode ser dobrado e se ele está onde está é porque assim deveria ser. Mas só neste livro fui entender a verdadeira loucura de Uhtred ─ a loucura pela batalha. E mesmo em meio o caos ele mantem o raciocínio apurado; apurado o suficiente para zombar de inimigos e controlar a luta. Belo personagem!

Sobre o livro: depois dos eventos d’O CAVALEIRO DA MORTE a Inglaterra se encontra dividida entre saxões e dinamarqueses, mas, no momento, os dois povos ao sul vivem um período de trégua frouxa. E em meio essa trégua Uhtred viaja para o norte. Seu objetivo: tomar sua casa de volta. Há terras no norte do país que são suas por direito, mas o lugar, além de estar sobre domínio de seu tio, tem inúmeros dinamarqueses ao derredor. Mas o destino decidiu que Uhtred teria uma chance ao encontrar-se com um rei que se tornou amigo, e depois rever um velho irmão. De repente toda esta união deu a Uhtred a liderança de um exército, e houve grande confronto contra um inimigo antigo, um apresentado logo no primeiro livro, e a batalha foi entre dinamarqueses. E no meio de todos esses eventos, Uhtred é vendido como escravo graças a uma jogada política, e nesse período conhece um novo aliado e, depois de um longo tempo, se vê livre e pronto para reassumir suas atividades além de reencontrar a jovem que fez seu coração bater mais forte.

E por falar em uma jovem, Uhtred, até aqui, já teve 3 amantes ─ falo isso para abrir certo parênteses: Bernard Cornwell trabalha com muitos personagens (tanto que uma lista de nomes no inicio do livro seria um grande resgate para a memória do leitor...). Há personagens que surgem e 30 páginas depois se vão. Há personagens que aparentam grande coisa, do tipo que você diz “esse ai vai durar até o fim” e, no entanto, uma lança trespassa o bucho do sujeito no capitulo seguinte, isso, no capitulo seguinte ─ logo quando você começou a criar estima pelo personagem. Então Uhtred encontra o amor e sonha com uma família, mas meio livro depois sua pretendente morre... Mas Cornwell não é um carrasco só de personagens bacanas: ele sabe dar um belo desfecho para aqueles malfeitores de uma figa. Neste livro, certo sujeito odiável teve uma morte deveras cruel; uma morte que nem mesmo eu, que torcia pela desgraça do cara, pude imaginar. Só há uma certeza: Uhtred não morre ─ pois é ele quem conta a história, já na velhice. Os demais personagens, bem, só o tempo dirá. E, até o fim dessas crônicas, inúmeros personagens devem aparecer e tantos outros perecer. Pois Cornwell trabalha com um período em que a morte era tão comum que você podia chamá-la para tomar um chá em sua casa.

OS SENHORES DO NORTE, diferente dos seus antecessores, é um livro mais “parado”, sem dar grandes saltos em anos, focando somente nas atividades ocorridas no norte da Inglaterra visto que as outras regiões do território viviam em trégua. É como uma aventura à parte. Mas uma aventura que conseguiu encher mais de 300 páginas de conflitos políticos, vinganças resolvidas, religiosidade, sorte ou destino e, claro, combates formidáveis.

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