quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Eu, eu mesmo e minha inveja

A moça pensa que pode nos enganar, acha que fez um bom serviço, mas nós vimos a verdade: o café servido ao outro, franzino de gravata aqui ao lado, está perfeito, cheirando bem, o homem bica com gosto, sem enrugar o rosto, satisfação plena. Agora, e o nosso? Parece resto, veio borra na língua, frio que até arrepia. O que esse cara tem que nós não temos?

Ela nos volta o troco depois de um tempo e provavelmente deve achar que somos estúpidos fodidos: as moedas de cinco centavos, velhas, enegrecidas, uma delas com um pedacinho de durex colado. É o dinheiro que circulou pelo mundo e veio parar nessa bodega de lugar, agora repousado em nossa mão. Sentimos vontade de jogá-las longe. Ou melhor: de afogá-las no café. Piorar o gosto não vai! Já o sujeito ao meu lado... moedas de cinquenta reluzentes que nem espelho, foi o que ele ganhou. Ficamos olhando para ele.

— É — ele diz, sem jeito, desviando o olhar da nossa encarada mais fria que o café servido. Beberica o dele fazendo barulhinho com a boca, a fumacinha embaçando os óculos. Exibido.

Nossa vingança vem quando a moça está distraída, de costas; o celular toca e ele larga a xícara para atender, se vira para lá no banco e começa a falar. Rapidamente, sugamos o catarro do profundo nasal e damos uma cusparada no copo dele. Quando se vira de volta, terminada a ligação, nós sorrimos, antecipando uma gloriosa vitória:

— Bom o café daqui, né?

— É. — E aí ele dá mais um gole, com vontade, só que desta vez faz uma careta. — Argh!

Nos mira com suspeitas veladas. Desviamos o olhar e bebericamos o nosso café que, agora sim, parece ter um ótimo gosto. Plenamente saciados, deixamos o lugar antes dele. Na rua, uma mulher dá algumas moedas para um sujeito deitado na calçada. Imediatamente passamos perto e deixamos aquelas de cinco recebidas ainda agora, que juntas, óbvio, somam muito mais que a quantia ofertada pela mulher. 

Caminhamos por aí com a cabeça erguida dos que terão um ótimo dia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário