segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Poe, sobre o mito de Atlântida:

Eis que a morte se fez um trono
longe, numa cidade estranha e silente, 
no extremo do mais fundo Ocidente, 
onde o bom, o mau, o são e o doente
dormem seu sono eternamente.

Lá palácios, torres, monumentos (pedras roídas pelo tempo, mas altivas!)
em nada se parecem com o que temos. 
Em volta, pelos ventos esquecidas
imóveis, tristes, desvividas
dormem as águas sob os firmamentos. 

Nenhum raio de sol cai sobre ela
e a cidade muda na noite langue. 
Mas um clarão no mar, tinto de sangue, 
ilumina soturno janela por janela, 
esplende no alto dos domos distantes, 
galga obeliscos e colunas e portais, 
escala babilônicas paredes imemoriais em espirais, 
e pousa seu hálito nas muralhas imanes, instala sua presença
nas esculturas de heras trepadeiras, colossais triunfais 
nas grinaldas pétreas de flores imortais
e nos altares que ninguém vai venerar, 
em cujos frisos continuam a se enredar
lilases, violetas, lírios e parreiras.

Resignado sob o céu dorme o mar, 
na melancolia das sombras altaneiras, sobranceiras derradeiras
tão entremeadas com a cidade 
que tudo parece suspenso no ar, solto
enquanto ao longe nas alturas sobranceiras
a morte, imensa, vela sem alarde. 

Templos abertos e túmulos profanados 
nas ondas luminosas jazem rarefeitos, 
mas nem todo o ouro ali oculto, 
nem as joias dos deuses de seu culto
nem os ricos mortos engalanados 
tentam as águas a deixar seus leitos. 
Ah, nem uma onda que se levante
e aquela vítrea selva desencante, 
nem uma curva para recordar
que um vento feliz encrespa um outro mar, 
nem um sinal das brisas amenas
que movem águas ─ oh, céus! ─ menos serenas. 

Mas, sim, o ar se agita num vento!
A onda ─ vê-se enfim um movimento! 
Como se as torres virassem na aragem
e à lenta maré dessem passagem ─
ou se encolhessem um pouco mais
criando um vão nos Édens abissais. 
As ondas agora brilham chamejantes, 
e as horas respiram lentas e distantes.
Então, entre lamentos inumanos, 
toda a cidade começa a afundar...
E o inferno, de pé em seus mil tronos, 
curva-se lentamente a reverenciar. 
─ A cidade no mar de Edgar Allan Poe

Ilustração para Vinte mil léguas submarinas, do Júlio Verne.

Nenhum comentário:

Postar um comentário