domingo, 10 de novembro de 2013

1356


1356 foi um dos anos mais terríveis e intensos da idade média. Menos de uma década depois de a peste negra devastar a Europa, todos os grandes reinos enfrentaram conflitos dentro e fora de suas fronteiras. E o maior deles é sem dúvida a Guerra dos Cem Anos, que está em seu momento mais delicado, com a tensão entre Inglaterra e França atingindo um ponto insustentável. É esse o cenário da nova aventura de Thomas de Hookton, o arqueiro inglês tornado cavaleiro, dez anos após o término de sua incansável busca pelo Graal. 

Em meio ao caos dos campos de batalha e aos sussurros dos jogos de poder nos salões reais, uma disputa menos, porém com o mais grandioso objetivo, é travada entre ingleses e franceses: uma corrida contra o tempo pela posse de La Malice, a espada que são Pedro utilizou para defender Cristo dos soldados romanos no Monte das Oliveiras. Ao longo dos séculos, a espada mudou de dono até ser esquecida em um refúgio oculto. Sua lenda, no entanto, voltou à vida, assim como o desejo de vários homens de possuí-la, e a arma irá cruzar o caminho de Thomas.
Sob as ordens de seu senhor, o arqueiro precisa percorrer cidades e estradas para localizar o paradeiro da espada e evitar que ela caia nas mãos dos franceses, que a usariam para motivar as tropas à vitória. Sua missão atrai poderosos inimigos, como influentes bispos do circulo papal e ricos e implacáveis senhores da guerra, e culmina em um dos episódios mais importantes e celebrados da história militar da Idade Média: a Batalha de Poitiers. Esse confronto pode traçar o destino do conflito, e Thomas não tem escolha a não ser lutar por aquilo que preza e acredita ─ ou então ver tudo ruir.



"Vá com Deus e lute como o diabo", recomenda um personagem, instantes antes do choque entre as tropas, das lâminas decepando, das flechas mordendo fundo, do sangue inundando a grama, dos corpos obstruindo a terra.

Bernard Cornwell é assim mesmo: um perito em conflitos militares da Idade Média. Faz ficção com História; com fiapos de fatos reais, tece suas obras frenéticas. Já até cansei de falar dele por aqui, meus comentários todos gastos e coisa e tal. Mas vale um novo esforço.

1356 tem um porém: é um extensão da trilogia A Busca do Graal, com o mesmo cenário do conflito entre Inglaterra e França e o mesmo personagem principal, de modo que é complicado ler este tomo sem conhecer os antecessores, tamanha as citações de personagens e eventos vistos na trilogia. Pra quem leu Thomas buscando o raio do Graal, vai aí um bruto exercício de memória, do tipo que te faz pensar se seria bom reler uns trechos d'O Arqueiro e companhia.

Mas Cornwell não deixa você voltar para trás ─ faz é você seguir adiante de uma vez, no seu estilo ligeiro de contar a trama que elaborou. Digo, Cornwell raramente perde tempo em sua narração. Apresenta os personagens novos, do mais notório cavaleiro cheio de honrarias e abençoado pela Mãe de Deus, até o coadjuvante aspirante a monge que manja de tratar feridas mas não gosta de nada disso ─ tanto da ideia de ser monge como a de ver sangue. Depois, as citações históricas, pois é preciso embelezar a ficção com a realidade e situar o autor mais interessado em História, alinhando cronologicamente os eventos como a Peste, o estado atual da França quase totalmente dominada pelos ingleses, uma Inglaterra razoavelmente prospera por não ter guerra em seu solo e uma Igreja cheia de senhores dispostos a fazer o serviço de Deus na Terra ─ que é quase o mesmo que exterminar todo tipo de inimigo.

Histórico apresentado, é hora da ficção que, perceba bem, pode muito bem ter feito parte da realidade: a busca pela espada de Pedro, aquela que ele lascou na orelha de um soldado romano quando chegaram pra pegar Cristo. A Igreja falhou em encontrar o cálice usado por Jesus na última ceia, mas felizmente encontraram um novo objetivo santo ao ouvirem falar da espada. Seria uma relíquia abençoada, traria vitória a quem a empunhasse. Peregrinos de toda parte viriam para olhar de perto a lâmina que defendeu Cristo, e isso poderia significar ouro ofertado, ouro em grandes medidas. A Igreja francesa precisava dela, não só por motivos santos como também para levantar o moral do exército franceses, impulsionando-os para confrontar os ingleses em sua pátria, vencer uma guerra em que o rei deixou de acreditar ser possível. E o cardeal que achasse essa beldade seria tão aclamado que poderia ascender ao título de papa depois que o velho lá de Roma morresse e deixasse o cargo carente.

Os ingleses ouvem a história também. E Thomas, agora um Sir, recebe a mesma missão de buscar a lâmina, mais para que ela não fique com os franceses do que para trazer glória aos povo inglês. Pois os ingleses não precisam de favores divinos, afinal, há terras inimigas dominadas, há prisioneiros valiosos que podem resultar em resgates colossais, e há arqueiros ─ coisa que até o momento os franceses não souberam encarar e vencer. Não há nada tão mortal quanto uma chuva de ferro penetrante lançada por arqueiros. Desequilibram um confronto em dois tempos. Então, os ingleses já estavam bem abençoados, obrigado.

Mas queriam a espada e mandaram Thomas fazer o serviço.

Thomas é dono de seu próprio pequeno exercito, tem terras na Inglaterra e uma bela fortaleza dominada na França. Seus homens são disciplinados e talentosos, sua mulher é perfeita, seu filhinho é forte e saudável. Uma boa vida. Ele poderia recusar a busca da espada, dizer que ela não existe. Ficar com a glória que já tem, continuar dando vitórias para a Inglaterra. Mas Thomas é Thomas, um aventureiro desgraçado que não resiste a ideia de existir uma espada mágica por ai.

E a coisa toda culmina na batalha de Poitiers, o único grande conflito do livro.

Ou seja, Cornwell usa a mesma fórmula de sempre, aventura-e-batalha, batalha-e-aventura. Mas o cara não perde a mão, não se torna redundante, repetitivo. Penso que isso não ocorre porque ele gosta de fazer o que faz, de modo que é possível ver a alma do autor em cada descrição de carga, em cada morte sangrenta, em cada parede de escudo.

1356 é outro brilhante livro de ficção histórica em que os personagens são meros complementos e o real protagonista é o evento histórico. Melhor que o seu conteúdo, somente sua arte de capa.  


2 comentários:

  1. Gostei muito da resenha, nobre amigo. Fiquei extremamente curioso com este livro, mas seguirei teu conselho e lerei O Arqueiro e companhia antes...

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    1. Valeu Odin. Esse aqui e a trilogia do Graal merecem estar nas tuas fileiras.

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