quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Condenada

"Esta aí, Satã? Sou eu, Madison." É assim que sempre se apresenta a narradora de treze anos de Condenada, novo livro de Chuck Palahniuk: uma sombria, irreverente, hilária e brilhante sátira sobre adolescência, Inferno e Satã.

Madison é a filha de um bilionário e de uma atriz de cinema narcisista, e morre por overdose de maconha. Ora, mas alguém morre por overdose de maconha? Essa é a pergunta que todos fazem a Madison e, com o decorrer do livro, entendemos como, de fato, as coisas aconteceram. Palahniuk nos mostra um enredo intrincado, cheio de idas e vindas e situações inusitadas. No Inferno, a condenada Madison partilha sua danação com um grupo distinto e inusitado de pecadores: uma líder de torcida usando sapatos de marca falsificada, um jogador de futebol americano, um nerd com conhecimentos surpreendentes da história mundial e um roqueiro punk de cabelo azul. Ao longo do caminho, Madison procura entender sua vida, sua morte, seus pecados e sua adolescência perdida ─ tudo isso enquanto tenta obter a atenção de Satã.

Você não fala do Clube da Luta, quanto mais do seu criador. Mas vou correr o risco: Palahniuk é um autor doente (um dos meus favoritos!) que tem uma escrita perturbadora, crítica e cheia de humor ─ algo que gosta de chamar de ficção transgressiva, seja lá o que isso signifique. (Vai lá, leia [de jejum] o conto Guts para ter uma ideia do estilo do cara.)

No seu mais novo trabalho, através dos olhos de uma guria de treze anos, o autor faz uma descrição bem humorada e repulsiva do Inferno. Repete muitas vezes que o que faz Terra parecer um Inferno é a expectativa de que deva parecer com o Paraíso. E: o que faz da nossa vida um Inferno é nossa expectativa em viver para sempre. Como a personagem está morta, ela meio que conversa com o leitor, falando ironias como: você não irá morrer, não depois dos seus caros tratamentos dentários e exercícios diários que tanto adora, não, não irá acontecer com você. Na mesma pegada de um Clube da Luta em que o autor ataca o consumismo, aqui Palahniuk cutuca a noção de morte das pessoas. É como se ele falasse que muitos se esgotam de fazer tantas coisas sem nunca imaginar que, vindo a morte, tudo acaba e não sobra legado algum.

A personagem topa com inúmeras personalidades em sua jornada infernal, de Darwin à Hitler. Por exemplo:
Você não consegue andar no Inferno sem topar com alguém importante: Marilyn Monroe ou Genghis Khan, Clarence Darrow ou Caim. James Dean. Susan Sontag. River Phoenix. Kurt Cobain. Sinceramente, a população residente parece a lista de convidados de uma festa que faria ambos meus pais gozarem. Rudolf Nureyev. John F. Kennedy. Frank Sinatra e Ava Gardner. John Lennon e Jimi Hendrix e Jim Morrison e Janis Joplin. Um Woodstock permanente. 

Provavelmente, se soubesse das oportunidades de contatos por aqui, meu pai engoliria sem demora veneno de rato e se lançaria contra uma espada samurai. 

Apenas para fofocar com Isadora Duncan, minha mãe iria abrir a saída de emergência e saltar do nosso jatinho em pleno voo.

E, em dado momento, Madison arranja um emprego no submundo ─ pois os impostos por lá são de matar, rá! Há apenas duas opções de emprego no Hades: 1) modelo pornô que gera propaganda em sites pornôs na internet dos vivos. 2) telemarketing.

Madison escolhe a segunda opção:

Meu trabalho é: as forças das trevas estão constantemente calculando quando é a hora do jantar em qualquer ponto da Terra, e um computador disca automaticamente esses números de telefone para que eu possa interromper a refeição de todo o mundo. Meu objetivo não é de fato vender nada; só pergunto se você tem alguns segundinhos para tomar parte de uma pesquisa de marketing que identifica tendências de consumo de goma de mascar. De enxaguante bucal a amaciante de roupas a seco. Uso meu fone e microfone e trabalho com um fluxograma de respostas possíveis. O melhor de tudo, converso com gente viva ─ como você ─, que ainda anda e respira por aí e não tem ideia de que estou morta e ligando do Além. Acredite em mim, a maioria do povo de telemarketing que liga para você está morta. Como grande parte de todos os modelos pornôs da internet.

O discador automático me liga com alguém vivo e eu digo:

─ Estou fazendo uma pesquisa de mercado para servir melhor os consumidores de goma de mascar da sua área... Você tem um segundo para responder a algumas perguntas?

Se a pessoa viva desliga, o computador me conecta com um novo número de telefone. Se a pessoa viva responder às minhas perguntas, o fluxograma me instruí a perguntar mais. Cada pessoa sentada aqui tem uma folha laminada com perguntas, mais perguntas do que você poderia contar. A ideia é se impor ao entrevistado, sempre tentando fazer apenas mais um pergunta, por favor... até que o sujeito que deveria estar jantando perde a compostura, e tanto seu bom humor quanto seu jantar são arruinados.

A narração picota a história da personagem, lançando aos poucos as informações de sua vida adolescente, de seu relacionamento com os pais e de como realmente morreu ao mesmo tempo que mostra sua trajetória no Inferno. Dá pra ver que o autor fez um belo estudo sobre demônios de diversas culturas, caracterizando eles ou suas lendas sempre que cabe assunto. Ao fim, tal como a revelação sobre Tyler, estoura uma hilária verdade que deixa Madison revoltada a ponto de desafiar Satã para um duelo de vida ou morte ─ daí Condenada termina com um terrível "Continua" e você fica com uma sensação de abstinência um minuto depois, se perguntando quando o próximo livro será publicado.

Livro absurdo de bom!

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