sexta-feira, 10 de maio de 2013

Terra em Chamas

"─ Amaldiçoado ─ rosnou Skade.

E uma das fiandeiras pegou o meu fio. Gosto de pensar que ela hesitou, mas talvez não tenha hesitado. Talvez tenha sorrido. Mas, quer tenha hesitado ou não, empurrou sua agulha de osso na trama mais escura.

Wyrd bid ful ãræd."

O rei Alfredo está com a saúde debilitada. Seu herdeiro ainda é muito jovem. Os inimigos dinamarqueses fracassaram em tomar Wessex, mas agora a vitória parece iminente. Lideradas pelo brutal Harald Cabelo de Sangue, as hordas vikings atacam, porém o rei tem Uhtred, que inflige aos vikings uma de suas maiores derrotas.

No entanto, o gosto da vitória inglesa é ofuscado por uma tragédia que leva Uhtred a jurar nunca mais servir o reino saxão novamente. Agora, o sonho de retornar as terras que lhe são de direito na Nortúmbria parece mais próximo. E para alcançar seu objetivo, o guerreiro se une ao amigo Ragnar e ao antigo inimigo Haesten.
Mas o destino tem outros planos. Os dinamarqueses da Ânglia Oriental e os vikings da Nortúmbria pretendem conquistar toda a Inglaterra. A filha de Alfredo então implora pela ajuda de Uhtred, e o guerreiro, incapaz de dizer não, toma a frente do exército derrotado da Mércia, rumo a uma batalha inesquecível num campo encharcado de sangue junto ao Tâmisa.

Na mitologia nórdica existem as Nornas ─ três deusas irmãs que comandam o destino dos humanos e dos deuses. Cada pessoa possui um fio da vida, e a Nornas são as fiandeiras que tecem cada fio, emendando, por exemplo, o fio de um homem com o de uma mulher que, no mundo dos homens, devem formar um casal. Elas decidem quando um fio acaba de ser fiado e quando um novo deve começar a ser trabalhado. Wyrd bid ful ãræd, diz a língua antiga, que significa: o destino é inexorável. E o homem nada pode fazer a não ser dançar segundo a música, seguindo a vida que as Nornas tecem em seu fio.

E Uhtred tem certeza de uma coisa: as Nornas possuem senso de humor. O guerreiro saxão observa sua vida e tenta estipular aonde vai chegar, mas tem certeza de que enquanto trilha sua jornada a sua maneira as Nornas gargalham na sua cara, pois elas dominam o seu fio, elas ditam o que acontece em sua vida, e não o pobre mortal Uhtred.

Pois TERRA EM CHAMAS, quinto livro da série Crônicas Saxônicas, mostra um Uhtred abençoado com importantes vitórias mas prejudicado com injustiças e infelicidades. Novamente, Bernard Cornwell soube escrever o luto dentro do ser humano quando um ente querido é roubado pela morte. E Uhtred, em meio ao sofrimento, é terrivelmente injustiçado por um acidente que se torna crime. E de repente ele não pôde mais ficar entre o povo saxão e retornou para o lado dinamarquês, pois, mesmo sendo saxão do norte, Uhtred foi criado em meio aos dinamarqueses de modo a criar amizade com muitos deles. Mas o destino é inexorável. As fiadeiras ditam que Uhtred deve lutar por Alfredo, deve ser um saxão leal ao povo saxão. E Uhtred, como diz a sinopse, foi fazer o que tinha de fazer ─ lutar pelos saxões.

Por causa de um juramento.

Juramentos formam uma conduta, trazem deveres e até mesmo um objetivo. Com eles o homem pode ser diferenciado de um mero animal. E por causa deles nos amarramos eternamente a alguém ou alguma coisa. Negar um julgamento seria negar toda uma experiência de vida. Seria expor uma postura caótica típica de um animal louco que morde a mão que um dia o alimentou. E se há o rompimento de um juramento, como poderia o homem jurar novamente e ser digno de nova confiança? E por causa de um juramento, Uhtred deixa os dinamarqueses e o sonho de voltar para sua terra, ao norte da Inglaterra.  Ainda é visto com desconfiança por parte dos saxões, mas consegue provar que sua espada lutará uma vez mais pelo seu povo de origem.

Algo sempre presente nos livros do Cornwell é um questionamento sobre a História. Quem escreve a História? Geralmente, quem ganha a guerra. E esse escrito, muito provavelmente, não fará justiça ao lado perdedor ao passo que enaltece o vencedor. A abertura do livro é exatamente isso: Uhtred, confrontando padres que estão escrevendo um relato de uma batalha recente. Nestes escritos, os louros da batalha vão para um sujeito que nada fez na luta ao mesmo tempo em que Uhtred, o verdadeiro protagonista de tal conquista, fica de fora do relato. Os padres ficam surpresos ao ver que Uhtred sabe ler, e mais surpresos ainda quando Uhtred queima todos os escritos e fala “eu estive em Fearnhamme! Se quiser saber o que aconteceu vá me procurar em Bebbanburg e contarei a verdade”.

Podemos observar o próprio rei Alfredo. Cornwell pesquisou e deixou em sua nota no fim do primeiro livro que o rei era uma pessoa doente. Então, embasado em registros passados, o Alfredo de Cornwell é um personagem fraco fisicamente. No entanto, se você olhar no wikipedia, verá que Alfredo, O Grande, era um combatente e "sempre lutava na linha de frente" do seu exército ─ logo, totalmente o contrário do Alfredo destas crônicas. Uma pessoa, na época de Alfredo, deve ter feito um relato verdadeiro, e outra deve ter poetizado a coisa toda. Percebe o caos que ocorre na História? Cornwell percebe, e adora levantar questionamentos se a História ocorreu do jeito que nos é apresentada hoje, nos livros didáticos.

De mesmo modo, não posso fazer justiça à TERRA EM CHAMAS com estas palavras. A série vem atingindo proporções enormes, galgando as batalhas históricas e os últimos feitos de Alfredo antes de sua morte, de modo que não consigo descrever cada período ou personagem marcante, cada sensação e interpretação feita. E tal livro é o prelúdio da morte do rei, e quando um rei morre as trevas caem sobre o reino e os homens enxergam oportunidades de mais e lealdade de menos. Devo, agora, reservar um punhado de comentário para o próximo tomo, que é quando Alfredo perece e com isso a guerra estoura e muitos combatentes dinamarqueses devem chegar ao Valhalla de Odin ao passo que saxões chegarão ao Paraíso do Senhor. 

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