quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O Herege

Depois de participar do cerco de Calais, o arqueiro inglês Thomas de Hookton reúne um grupo de homens e viaja para o interior da França. Pretende tomar uma fortificação na Gasconha, perto da Astarac de seus antepassados, e assim chamar a atenção de seu primo Guy Vexille, o assassino de seu pai que, como Thomas, também segue a trilha do Santo Graal. Durante a jornada, deixa um rastro de aldeias saqueadas e, em uma delas, salva da fogueira uma jovem acusada de feitiçaria. Uma mulher que faz com que Thomas perca o controle sobre parte de seus guerreiros, ameaçando o sucesso da missão mais importantes de sua vida: encontrar a maior relíquia de toda a cristandade.

O Arqueiro é enraizado em batalhas e eventos reais. O Andarilho já prega um pouco mais de ficção e um pouco menos da realidade, mas ainda sim pisa firme no solo duro do século XIV. E agora, O Herege, último livro da trilogia A Busca do Graal, traz apenas dois episódios registrados na História: o início do livro, em que rola uma batalha, e o seu fim, em que a Peste (ou Peste Negra ou Morte Negra) começa a se espalhar pela Europa, ceifando vidas com bruta rapidez. De resto, ficção. Mas a ficção de Cornwell é diferente: convence, faz parecer real, extremamente compatível com a época. Seu estudo é tão preciso e sua escrita tão real, que torna estupidamente possível uma especulação ter realmente ocorrido. O Graal, por exemplo. O Herege traz toda uma atmosfera de intrigas entre personagens por causa do suposto item sagrado. Um líder religioso que almeja o título de papa, certo que se encontrar o Graal irá atingir seus objetivos; um conde que não consegue ter filhos e acredita estar amaldiçoado, no entanto, crê que se achar o Graal estará livre da maldição; um homem desgarrado que não deixará o Graal cair nas mãos da igreja, pois acha que todos os seus líderes são homens corruptos distantes da verdadeira fé. São casos de ficção, mas é impressionante como essas motivações fundamentam a busca pelo Graal. Digo, se houve realmente uma busca, até parece que foi assim, com personagens calcados em motivações parecidas, do jeito que Bernard Cornwell relata nessa trilogia.

Agora, imagine: uma cidade simples, e lá existe uma linda jovem plebeia. Logo, essa jovem tem duas desvantagens: é plebeia (pessoa simples, humilde) e é linda (chama atenção, atrai). Coitada. Mal sabe que essas duas coisas não poderiam estar juntas numa época medieval, pois uma jovem simples e ao mesmo tempo bonita causaria inveja nas moças mais nobres e desejo nos homens. As moças nobres poderiam tramar contra a vida dela, eliminado uma concorrente; os homens tentariam tê-la, primeiro cortesmente, depois, com violência. E, imagine, pra piorar as coisas essa mesma plebeia tem algumas habilidades medicinais ou conhecimentos da natureza ou pontos de vista diferentes sobre Deus e religião. O que acontece com ela? Uma rival irada ou um pretendente frustrado decidem que ela é uma herege (ora, como ela ousa pensar diferente à respeito de religião?) e uma feiticeira (afinal, ela cura as pessoas e sabe segredos da natureza; isso não é normal). Daí, chamam um padre. O homem de Deus vê a jovem e acaba se sentindo atraído por ela. Certamente ela está usando de feitiços para testar o padre, só pode ser isso! E os feitiços são fortes demais, e o padre cai em tentação. O padre, então, fica cabreiro consigo mesmo e decide que ninguém precisa saber o que aconteceu entre ele e a jovem bruxa. Mas o problema é que ela sabe o que aconteceu. Então só há um jeito de silencia-la e assim preservar a santidade do padre diante dos homens.

Fogueira.

E quando o show acaba ─ quando a jovem termina de soltar os seus gritos de agonia enquanto o fogo come sua carne ─, os homens e as mulheres presentes agradecem ao padre e a Deus, pois foram livrados de uma bruxa. O padre seca o suor da testa, lê alguma parábola, faz uma oração e pronto: mais um dia do século XIV chega ao fim.

Essa realidade é explorada subliminarmente n’O Herege, através de uma personagem que deveria morrer queimada se não fosse a intervenção do protagonista. E é casos assim que justificam o que falei mais acima: embora ficção do autor, é fácil imaginar que inúmeras lindas plebeias com conhecimentos medicinais tenham tido o mesmo fim ─ numa pira flamejante.

Bernard Cornwell soube manter um suspense durante a trilogia, meio que se esquivando quando o leitor pergunta “vai ou não aparecer esse tal de Graal?” E O Herege, enfim, traz um resposta satisfatória, encerrando de uma vez o assunto. Não sem antes rolar uma ótima batalha final, que mesmo sendo estrelada por um pequeno grupo de homens, consegue ser tão empolgante e feroz quanto qualquer outro confronto dos livros anteriores.

Sério: Ótimo livro. Perfeita trilogia.

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