terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O Rei do Inverno

A trilogia As Crônicas de Artur do escritor inglês Bernard Cornwell conta a história do lendário guerreiro Artur, que passou para a história com o título de rei, embora nunca tenha usado uma coroa. Numa Britânia habitada por cristãos e druidas, dividida entre diferentes senhores feudais e seus respectivos interesses e ameaçada pela invasão dos saxões, Artur emerge como um poderoso e corajoso guerreiro capaz de inspirar lealdade e unir o país. Uma personalidade complexa, impelida por honra, dever e paixão. A trilogia inicia com O Rei do Inverno, continua em O Inimigo de Deus e finaliza com Excalibur.

O Rei do Inverno conta a mais fiel história de Artur narrada até hoje. A partir de novos fatos e descobertas arqueológicas, este romance retrata o maior de todos heróis como um poderoso guerreiro que luta contra os saxões para manter unida a Britânia, no século V, após a saida dos romanos. Um general que, durante sua vida, jamais reinou. Foi coroado só muitos anos após sua morte, depois que sua história foi contada e reinventada por menestréis e escritores ao longo dos últimos 15 séculos.

Neste livro de Cornwell, o leitor irá descobrir um novo Artur e muitos detalhes absolutamente novos sobre sua época e os personagens mais marcantes em sua vida, como Merlin, Guinevere, Lancelot e Morgana. Um clássico moderno inspirado em uma das maiores histórias já escritas.

É só fazer uma busca no Google. Vai lá. Escreva o nome do autor: Bernard Cornwell. Procure algum fórum de discussão ou resenha de algum livro. É quase certo que você irá encontrar comentários assim: “Literatura para macho!”, “Ninguém descreve uma batalha melhor do que Cornwell!”, “Consigo sentir o cheiro dos campos de guerra, o sangue, ouvir o relinchar dos cavalos; até parece que estou lá no meio!”, “Depois que se lê os livros do Cornwell, outros romances históricos parecem fraquinhos!”.

Eu me uno a essas vozes. Somo o meu escudo às suas paredes de escudo para defender a ideia de que Bernard Cornwell é um escriba das guerras, dos tempos árduos do medieval, perito na arte de descrever combates épicos, na arte de implantar um novo mundo na cabeça do leitor, assaltando sua atenção, o levando para o tal período histórico, contando tudo com a ciência de um mestre em História e a paixão de um poeta bêbado de inspiração.

Cometi a imensa pachorra de só agora ─ santa Britânia, só agora! Como pude?! ─ iniciar nos escritos do Cornwell, autor que eu sempre conheci só de ouvir falar. Trata-se de um inglês louco pela história de sua terra. Sua missão, portanto, é bem simples: deixar seu leitor tão louco quanto ele próprio. Eu mesmo, graças ao poder da narração de Cornwell, já amo a antiga Britânia e seus tantos personagens históricos que o autor pincela a seu modo.

A começar por Derfel Cadarn, o narrador. No fim da vida, vivendo num monastério ao noroeste da Britânia, Derfel resolve escrever sobre o passado. Resolve narrar a vida de seu senhor supremo, aquele que tanto amou e serviu, chorou e lutou por seu nome, ele, o grande líder das batalhas, Artur.

Derfel apresenta um reino que acabara de perder seu rei ─ Uther. E um reino sem rei não tarda em entrar em guerra. Mesmo Uther deixando um filho recém-nascido e elegendo protetores para reger enquanto o menino não tem idade, a Britânia encara graves conflitos internos. Como se não bastasse, os saxões desbravam a costa leste da Ilha, penetrando passo a passo para uma conquista futura. Então, em meio a esse perigo eminente, Artur, filho bastardo de Uther e um dos protetores do reino, ascende na tentativa de trazer a paz entre o povo. E depois de inúmeras demonstrações de honra e grande senso de justiça, Artur se torna um ícone, um sujeito abençoado com a habilidade de cativar e converter homens à sua causa. Consegue a paz por meio de casamento. Mas algo além de suas forças acontece, e o seu projeto de uma Britânia unida vai para o ralo. O amor acontece, e o seu nome é Guinevere. E Artur abandona seu casamento real para se unir a ela. Daí, guerra de novo.

E como toda boa estória, temos aquelas figuras capazes de causar reações diversas no leitor. Tais como o altivo Lancelot, que ao terminar o livro pode ser o seu modelo perfeito de alguém pra se odiar, ou o druida Merlin, um velho impossível de se entender, dono de um humor negro, louco, sábio e mergulhado nos assuntos dos deuses e em superstições.

Superstições. Ah, são muitas. O povo da antiga Britânia era um povo bem supersticioso, de modo que nenhum guerreiro calçava a bota direita antes da esquerda, e nunca afiavam suas armas na própria sombra ─ coisas que poderiam dar má sorte. Num parto organizado por sacerdotisas pagãs, logo no começo do livro, uma das moças vai até a porta do quarto e urina no chão, a fim de impedir a entrada de maus espíritos no aposento. Quase todos andavam com algum tipo de amuleto ou broche, e os tocavam quando estavam assustados ou ouviam alguma praga. Quando falavam algo de tinham medo ou repudiavam, cuspiam logo em seguida, para espantar o mal. Os cristãos acreditavam que no paraíso de Deus deveria fazer frio, pois o inferno era quente; nesse caso, o frio era algo bom. Dentre outras tantas coisas mencionadas com bruta casualidade, como se o autor tivesse vivido na época, presenciando todos os modos culturais.

Ler O Rei do Inverno é como ter uma aula de história, só que melhor. Eu não me lembro de ter estudado a antiga Britânia na escola, mas agora, 544 páginas depois, sinto que sei muita coisa sobre aquela região.

Ah, e as batalhas. Quão tensas elas são. Derfel esteve nas vanguardas da vida, esteve na linha de frente, comandando exércitos, montando paredes de escudo. E graças a isso temos o seu relato intenso de como é o momento da batalha. A euforia em matar, o senso de irmandade em ter de defender o camarada ao seu lado, as táticas de golpear por baixo dos escudos, usar espadas curtas para não ter problemas no desembainhar quando muito junto das paredes inimigas, e, claro, nada disso acontece sem que antes ambos os lados da guerra troquem insultos e seus respectivos druidas joguem pragas contra os adversários.

A magia, ao contrario de outras estórias sobre Artur, não existe. Estamos num mundo real, pé no chão, que até pode ter seus momentos esotéricos, mas quase sempre motivados por uma droga ou efeito climático. Nada de bolas de fogo ou ressuscitações. Há, sim, algumas coisas que fogem da compreensão humana, como o fato de uma certa sacerdotisa saber guiar um pequeno exército em meio uma terra desconhecida. Ela atribui isso à ajuda dos deuses. E o leitor escolhe no que acreditar.

E chega de prosa. O Rei do Inverno é equivalente à um curso da história britânica, um apaixonante entretenimento, com altas chances de acabar com a vida social de qualquer um ─ perturbando a consciência enquanto a leitura não for concluída. É um ótimo investimento, eu e tantas outras vozes garantimos isso

3 comentários:

  1. Dei a trilogia de presente para Odin há uns anos atrás e ele devorou! Preciso ler eu mesma também.

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    1. Hahaha, também estou comendo os livros com farofa. É um perfeito romance histórico.

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  2. Recomendo a todos os fãs de fantasia medieval e fantasia histórica.

    É um livro extremamente interessante e muito bem escrito. Confesso que fiquei um pouco decepcionado com a maneira como os eventos finais foram resolvidos, mas isto não tira, de forma alguma, o mérito desta nobre obra.

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