domingo, 4 de novembro de 2012

Realidades Adaptadas

Cinema e literatura sempre andaram de mãos dadas. E quando o assunto é ficção científica, nenhum autor contemporâneo foi mais roteirizado do que Philip K. Dick, nem mesmo mestres do gênero, como Isaac Asimov e Arthur C. Clarke.

Pouco conhecido no Brasil por sua obra literária, Dick é um sucesso entre as plateias de cinema, que vai muito além de Blade Runner – O Caçador de Androides, ícone cult dos anos 1980 inspirado em um de seus romances.

A fim de prestar o devido reconhecimento a esse extraordinário autor, "Realidades Adaptadas" reúne, em uma edição inédita no mundo, os contos de Philip K. Dick que foram adaptados para a sétima arte, levando ao grande público os textos originais que inspiraram roteiristas e diretores a fazer seus filmes.

A sinopse acima disse tudo: A fim de prestar o devido reconhecimento a esse extraordinário autor. Pois Realidades Adaptadas foi a sacada perfeita da editora Aleph na missão de tornar Philip K. Dick conhecido por essas terras. O status de "desconhecido", se depender deste livro, deve mudar.

Realidades apresenta 7 contos do autor. Obras que foram adaptados para o cinema. São eles (e seus filmes):

  • Lembramos para você a preço de atacado (O Vingador do Futuro);
  • Segunda variedade (Screamers ─ Assassinos Cibernéticos);
  • Impostor (Impostor);
  • O relatório minoritário (Minority Report ─ A Nova Lei);
  • O pagamento (O Pagamento);
  • O homem dourado (O Vidente);
  • Equipe de ajuste (Os Agentes do Destino).



Alguns desses filmes são bem badalados, como Minority Report e Vingador do Futuro. Outros, como Screamers, nem tanto. Mas a questão é que os diretores dessas produções beberam dos escritos de Dick para, mais tarde, por na tela seus trabalhos.

Agora, ao livro:

A forma que Dick escreve é paradoxal: de forma simples, consegue explicar coisas complexas. Estranho né? Nem consigo me fazer mais claro. Só sei que o homem trata de cidades futurísticas, humanos superdotados, realidades alternativas e toda sorte de utopia maluca de forma simples. Não é nada difícil compreender a atmosfera que Dick cria em suas ambientações.

O conto “Segunda variedade”, é um bom exemplo da genialidade e da discrição fácil do autor. Nele, não houve Guerra Fria, houve guerra mesmo, entre os EUA e a URSS. Então: bomba nuclear pra cá e pra lá, e o mundo virou um campo de guerra, desolado e moribundo. Os EUA desenvolveu uma tecnologia monstra e migrou pra lua, instalando uma base secreta por lá (já que nenhum lugar na Terra poderia oferecer segurança contra armas nucleares). Desenvolveram também umas máquinas assassinas, programadas para matar, apenas. Lançaram essas máquinas na Terra, deram proteções para os soldados americanos não serem atacados pela própria criação cibernética e pronto, as forças da URSS foram minguando com os ataques das máquinas.

Todo esse cenário é explicado em poucos parágrafos enquanto lemos uma narrativa envolta de um soldado americano que fora chamado até uma base inimiga, para discutir termos de rendição dos enfraquecidos socialistas.

Ao fim, toda uma lição de moral, sobre as máquinas e humanos, é lançada no ar, deixando qualquer um perplexo. Foi o melhor conto do livro, disparado. E é de se admirar com mais espanto ao ver a data de publicação: 1952. Ou seja, escrito em meio o período de Guerra Fria! E, perceba que, um mundo como o de Matrix, dominado por máquinas, já tinha sido palco de Philip K. Dick 50 anos antes!

Outro que é um chute na canela: “O impostor”. Nesse conto rápido, o personagem protagonista é preso por militares, acusado de ser na verdade um androide que matou e assumiu a aparência humana do tal sujeito. Nesse impasse, o homem tenta provar ser ele mesmo, não o androide que dizem que ele é. E Dick questiona o leitor com algo do tipo: “será que eu sou mesmo humano, ou sou programado para pensar que sou humano?”. Tudo isso em meio um futuro de carros voadores, armas de laser e colonização do sistema solar (perceba: esse também foi escrito em 1953, naquele período de corrida tecnológica e espacial. Em outras palavras, Dick se debruçava nos eventos de sua época e criava sua ficção).

Em “O homem dourado”, Dick coloca um mutante, um ser além das capacidades humanas, tão desenvolvido que consegue prever minutos à frente (daí o titulo do filme: O Vidente). Lá, temos uma tropa de elite caçando esse mutante, temendo que ele possa ser grande ameaça para o mundo. E a critica do autor no desenrolar da estória é que, se existisse um ser superior entre nós, talvez ele não fosse uma ameaça ou talvez ele não quisesse reinar sobre os humanos. Talvez ele, esse mutante superior, enxergasse nos humanos uma demência tão grande a ponto de não ter interesse algum por eles.

Esse conto (segundo nota do autor no final do livro) foi contra toda obra de ficção científica da época. Os autores do gênero criavam mutantes que eram ameaça para o mundo ou heróis que conduziam a raça humana à utopia perfeita. Dick não trilhou esse caminhou. Preferiu sair da matrix, pensar diferente dos demais, enxergar a possibilidade de que um ser superior não precisa necessariamente ser herói ou vilão. Criou um mutante sem esses estereótipos que provém de humanos. Simplesmente gênio.

Sem mais enrolação: Recomendo com todas as forças àqueles que amam ficção científica. Não somente, pois Dick é também um filosofo, questiona o leitor com linhas de pensamento sobre a vida, o ser humano, o planeta, o futuro, a razão de estarmos aqui. Então, recomendo o livro a qualquer um que, junto à leitura, admira pontos de vista bem colocados sobre a humanidade.

Dick realmente cogitava suas realidades criadas, questionava o mundo que seus olhos enxergavam, queria desbravar a essência da vida. Alegou ter se encontrado com Deus, disse que ter sido abduzido por alienígenas, falou que viu o futuro. Louco, alguns poderiam dizer. Morreu em 1982 e só então que ganhou reconhecimento mundo a fora. Hoje, existe um prêmio de ficção cientifica com seu nome. O seu legado permeia sucessos do cinema sem que muitos saibam. E Realidades Adaptadas propaga o nome deste autor diferenciado e eterniza contos excelentes.

Minha nota mental, após terminar a leitura: Ler tudo de novo. E ver os filmes, claro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário