terça-feira, 25 de setembro de 2012

A Companhia Negra


Primeiro a capa, de uma arte estupidamente incrível, é capaz de roubar olhares curiosos. Depois a sinopse, ingrediente mortal para gerar o desejo, fecha com glória o exterior desta obra. Confira:

Durante tempos imemoriais, o Dominador e a Dama, o mais poderoso casal de feiticeiros já visto, governaram todo o mundo conhecido com mão de ferro. De maneira implacável, eles venceram todos os seus oponentes e corromperam a alma de seus dez piores inimigos, transformando-os nos Tomados, seres condenados a servi-los por toda a existência. Contudo, um grupo rebelde, liderado pela misteriosa Rosa Branca, conseguiu aprisionar os tiranos e seus seguidores em um sono profundo. 

Porém, séculos depois, a Dama e os Tomados finalmente foram despertados. Agora, eles estão decididos a recuperar todo o poder que lhes fora tirado. À medida que se dedicam ao processo de reconquista, o caminho de um deles, o Apanhador de Almas, cruza com o do grupo de mercenários conhecido como Companhia Negra. Por várias gerações, a Companhia serviu a diversos senhores, sempre honrando seus contratos e prosperando. 

Contudo, esses dias de glória ficaram no passado. Hoje, o grupo se resume a um pequeno contingente que trabalha para o governante de uma ilha isolada. Tudo o que restou foram histórias, preservadas com afinco por Chagas, o médico da Companhia, que registra todas as suas atividades. Dessa forma, quando o Apanhador oferece a eles a chance de se juntar ao exército da Dama contra os rebeldes, a proposta é aceita de imediato. 

O que era para ser uma gloriosa batalha pelo poder rapidamente se revela um pesadelo. Os Tomados são figuras repulsivas que lutam constantemente entre si, e a Companhia logo se vê enredada em intrigas, traição e manipulação. Em meio aos rumores cada vez mais fortes de que, em algum lugar, há uma criança que é a reencarnação da Rosa Branca, Chagas, os olhos e ouvidos do grupo, começa a questionar a própria participação nos eventos. Por mais forte que seja seu fascínio pela figura da Dama, ele não consegue deixar de pensar que, no fim das contas, a Companhia pode ter escolhido se aliar ao lado errado do conflito, e que as consequências dessa decisão podem ser terríveis.

Há uma grande publicidade feita em cima do livro, com comentários nada modestos do autor Eduardo Spohr. Coisas como “Tolkien encontra Bernard Cornwell”, ou “a série que os fãs de Senhor dos Anéis e Guerra dos Tronos adotaram”. Tudo pra vender, no desespero. Mas, francamente, um livro como A Companhia Negra, capaz de atrair só com a sinopse, não precisa de um gancho forçado de comparações. Ajuda, é claro, mas a obra pode conseguir seus adeptos sem se apoiar em outro autores. Glen Cook é um escritor de respeito, tem o seu estilo próprio; assim como Tolkien e Cornwell com suas marcas únicas. Não presta comparar. Enfim, chega de desabafar.

Então, num mundo de fantasia medieval totalmente cru de detalhes bonitinhos, temos uma guilda de mercenários enredada numa guerra mais crua que o mundo. O leitor nem precisa se preocupar em entender o ambiente e os motivos da guerra são bem claros. Parte desta falta de detalhes maiores deve-se ao nosso narrador, Chagas, médico e analista da Companhia Negra. É como se cada capítulo fosse um relato solto de batalha onde somente alguns momentos importam ser contados, e, detalhe, é como se o publico leitor fosse os próprios membros da Companhia. Por isso Chagas não detalha muita coisa, pois o seu “leitor” já sabe como são as aparências e informações do mundo à volta. Boa lógica.

Com esse estilo de narração, um destaque fica a cargo das batalhas ou cenas mais agitadas. Por exemplo:

Ficamos sentados imóveis, paralisados pela iminência mortal. Corvo se virou lentamente, levantando-se. Os três viram seu rosto. 

Voz-chorosa engasgou. O companheiro dele começou a tremer. A mulher abriu a boca, de onde nenhum som saiu. 

 De onde corvo tirou a faca, eu não sei. Foi quase rápido demais para ver. Voz-chorosa estava sangrando de um corte na garganta. O amigo tinha aço no peito. E Corvo apertava o pescoço da mulher com a mão esquerda. 

 ─ Não. Por favor ─ sussurrou ela, sem força. Ela não esperava misericórdia. 

Corvo apertou, forçando-a a se ajoelhar. O rosto da mulher ficou roxo, inchado. A língua rolou para fora. Ela segurou o pulso de Corvo e estremeceu. Corvo a ergueu, olhando-a nos olhos até que estes rolaram para trás e o corpo da mulher amoleceu. Ela estremeceu de novo. Morreu.

Ou seja, o tal de Corvo sacou a faca, cortou a garganta de um, estocou outro e rendeu a mulher pelo pescoço. Tudo em poucas palavras do nosso narrador. E é quase todo livro assim. Quando a cena começa, no instante seguinte já acaba. É como se Chagas não gostasse de narrar os detalhes mais podres da guerra. Detalhar mortes não é o seu trabalho.

Apanhei por 50 páginas para me acostumar com a narração. Facilmente eu perdia a atenção com a rapidez das cenas. Estava prestes a formar uma opinião não muito boa sobre o livro. Mas consegui: adaptei-me. Entendi o personagem e os seus escritos; praticamente, entrei para A Companhia!

No meio do livro já é possível tatear uma conspiração que esta rolando entre os Tomados (seres que lembram os Espectros de Sauron, no Senhor dos Anéis ─ homens que foram corrompidos por um sujeito chamado Dominador). É um querendo tombar o outro. Só mais ao fim é possível interpretar os motivos da conspirata. E no meio dessa guerra interna, entre os Tomados, e da guerra contra os rebeldes, Chagas ganha destaque ao, sem querer, criar intimidade com a Dama, contratante da Companhia Negra. É quando o homem pensa se A Companhia esta mesmo do lado certo da briga... Ao mesmo tempo, a guilda sempre foi honrada em manter seus contratos... Um caminho sem volta, então.

O livro termina como um velho provérbio: a batalha foi vencida, mas a guerra ainda perdura. Ou quase isso.

Daí, é só esperar a editora Record trazer os outros 9 livros que seguem depois deste. Háh, isso mesmo. Para delírio de quem não tem mais espaço na prateleira da estante, como eu, A Companhia Negra é na verdade uma série com 10 livros publicados desde os anos 80, e mais 2 tomos prometidos para o futuro. O livro em questão é só um arauto da estória que deu fama ao autor Glen Cook.

2 comentários:

  1. Pelas minhas barbas! Parece muito bom mesmo. Hei de adquirir este tomo futuramente.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Odin, o senhor vai curti, principalmente por esse livro lembrar Senhor dos Anéis em alguns pontos. A impressão que eu tenho é que este livro é o mais fraco da série; chegando às ultimas paginas é possivel imaginar as coisas que virão, e o livro dois, por exemplo, deve ser de qualidade dobrada.

      Excluir