quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O Campeão de Cápua

Há pouco mais que uma semana, um campeão foi derrotado. Seu nome era Andy Whitfield, mas ele ficou conhecido mesmo como o gladiador que deixava Cápua aos delírios, aquele que matara a Sombra da Morte e tantos outros adversários e desafios sobre a areia da arena, aquele que trouxera a chuva que há tempo não banhava aquela cidade de jogos, aquele que fora comparado a deuses antigos, um mito e ao mesmo tempo um homem que queria apenas voltar para os braços da amada. Todos o chamavam de Spartacus.

E o seu oponente era o câncer.

Andy gravou a primeira e incrivel temporada da série Spartacus e foi afastado dos estúdios ao ser diagnosticado com um tipo de tumor que abrangia diferentes tipos de câncer em seu complexo. Isso fora ano passado. Ainda exisitia a esperança de Andy conseguir voltar a tempo para gravar a segunda temporada da série, caso seus exames fossem bem sucedidos, o que de inicio foram, mas ainda acharam bom mantê-lo em observação. E como os produtores da série queriam recomeçar a gravar e dar continuidade ao sucesso alcançado, resolveram tirar Andy do elenco adotando outro ator para o papel principal.

E então mais ou menos um mês depois de anunciarem a segunda temporada com trailer e tudo mais, Andy Whitfield não resistiu à um avanço da doença.

Triste saber que não poderei vê-lo atuando novamente. Era um baita ator.

Resolvi então escrever algo, em forma de conto simples. Um tipo de homenagem que me veio em mente, talvez mais inspirado no personagem do que no ator, mas pra mim Andy deu vida ao incrível personagem histórico, acrescentando à Spartacus grandes características, então, quando me refiro ao gladiador inevitavelmente penso em Andy Whitfield.

O título do conto seria o mesmo da postagem: O Campeão de Cápua. Atenção: possiveis spoilers da série!

Segue:

Eu estava lá quando ele chegou ao Ludus da casa Batiatus.

No entanto, quem era eu mesmo? Apenas um jovem, o mais moço dos escravos daquela casa, mas que já treinava para lutar na arena há um dia e meio antes do trácio chegar.

Doctore fez chiar o seu chicote na terra e gritou algumas palavras, anunciando que ali era um lugar sagrado e de honra, que muitos campeões saíram daquele Ludus de treino. E que ele, Doctore, seria o mestre naquele lugar.

Mas não demorou até que tivéssemos uma apresentação do que o trácio podia fazer. Ele era rebelde, com ou sem espada em mãos, parecia não ter nada a perder, e acabou desafiando o campeão do lugar. Apanhou feio de Crixus. Doctore praguejou e Batiatus fez uma careta pensando se foi mesmo boa idéia adquirir o homem. Mas quem disse que tudo isso domou sua indisciplina? Não mesmo, longe disso; ele parecia alimentar mais e mais uma fúria contida; ai daquele que fosse sua vitima! Sim! Eu vi sua fúria certa vez. Eu estava no portão da arena, iria lutar naquele dia, e ele já se dirigia para o centro do campo de areia, outro homem o aguardava com um machado e vontade de matar como armas. E então eu vi sua fúria, quando ele venceu o adversário com mais vontade de matar ainda, lhe aplicando um golpe limpo na garganta daquele. Demasiado forte, o golpe fez rodopiar para longe a cabeça do sujeito e o sangue esguichou farto do toco que antes fora um pescoço. E enquanto o sangue jorrava e o corpo inerte terminava de tombar na areia, ele, o trácio, gritava, não de júbilo, mas sim de ira. Parecia querer desafiar um deus e ser capaz de matar mais uma centena daqueles guerreiros.

A multidão de Cápua ficou frenética. Saldavam seu campeão com repetidos gritos: “Spartacus, Spartacus, Spartacus”.

Mas muito antes disso, nós ainda tivemos que nos tornar gladiadores, receber a marca casa Batiatus, e enfim ter acesso à arena, lutando por glória, liberdade ou qualquer outra coisa. Pois até então éramos escravos treinando com espadas de madeira. O meu teste fora no dia seguinte ao do Spartacus. E confesso que vê-lo vencer me inspirou grandeza. E eu derrubei meu adversário no teste com uma parcela semelhante da fúria daquele que aos poucos se tornava um ídolo.

E antes disso, este meu novo ídolo fora rejeitado. Pois ainda lhe faltava disciplina, era um cão indomável. Ouvi dizer que Batiatus iria apostar suas ultimas moedas com ele em lutas ilegais numa arena escondida. “Jogos Sombrios”, foi o que ouvi. E de fato, por um tempo não vi Spartacus no Ludus. Dias depois ele retornou com algumas cicatrizes, mas bem vivo. E Batiatus sorria-lhe. Seja ou não seja ele provou-se como uma boa compra, restava provar-se nas lutas na arena.

Ai ele demonstrou aquela fúria que eu disse.

Duro mesmo foi no dia em que teve como oponente seu parceiro. Varro, se não me engano. Acho que foi a primeira vez que vi o campeão chorar... Eu estava em um canto do salão, em fila com os demais gladiadores, na ponta da fila, demasiadamente longe; mas pude ver o brilho úmido e salgado nos olhos do trácio. Sei que se lamentou também ante o corpo da amada; não entendi bem o que aconteceu naquele dia, mas entendi que naquela hora sua fúria morrera...

Mais alguns acontecimentos. E eu lutei novamente na arena. Ganhei. E depois fiquei um tempo sem vê-lo novamente. Doctore disse que ele estava na enfermaria com a saúde abalada. Mais tarde ele voltou para os treinos, mas não era mais o mesmo. Estava doente. Estava com a alma doente.

Spartacus – Chamou Doctore – Treine com ele para voltar a forma.

Esse “ele” era eu, que estava logo ali perto.

– Sim Doctore – Foi a resposta.

E de fato eu notei o quanto ele estava abalado, em combate. Imaginei que um campeão como ele poderia me derrubar com três golpes e meio, mas consegui aparar facilmente boa parte de seus golpes previsíveis. Mas quando pensei em investir de uma vez em um encontrão, ele girou o corpo ante minha corrida, deixou um pé no caminhou e meu peso fez o resto.

– Não pode correr feito louco até a espada de um inimigo – Ele disse, oferecendo o punho.

Eu abracei seu braço e me ergui do chão com sua ajuda.

– Não vai acontecer novamente – eu disse, amistoso.

E recomeçamos. E mais tarde ele me desarmou. Depois acertou meus dedos da mão hábil. Depois bateu com a face da espada de treino na minha têmpora direita e eu fiquei um tempo procurando o chão. E notei que mesmo abatido, ele ainda era um campeão. Ou eu ainda não era um gladiador suficientemente bom.

Doctore fez cara de satisfeito, vendo que Spartacus aos poucos voltava. Ao fim do dia, o campeão de Cápua disse:

– É um bom adversário.

E eu acenei com um sorriso cansado. Fora um baita aprendizado trocar golpes com o melhor.

Dali pra frente os dias correram. Até o dia em que matamos todos. E naquele dia ele se tornará ídolo de outros além de mim. Naquele dia ele se tornara um comandante, um líder, que mais tarde seria um dos maiores com seus feitos narrados nas histórias e nos livros.

– Qual o seu nome? – Eu perguntei certo momento, perto do fim, porque todos o chamavam por um nome que não deveria ser o que sua mãe lhe deu.

Ele pousou a mão no meu ombro e sorriu como se falasse com uma criança. E apenas se afastou. Mas antes de se afastar muito:

– Não tenho mais nome. Tampouco você. Tampouco todos nós.

Mais tarde, na rebelião, eu me juntaria ao coro: “Spartacus, Spartacus, Spartacus!”.


3 comentários:

  1. Fiquei muito triste ao saber que ele tinha morrido. Bela homenagem, Torinks.

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  2. Obrigado Astreya.
    Ele ainda era bem jovem, e bom ator. Muito triste mesmo...

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  3. Realmente...

    Mas de fato fizestes uma nobre homenagem, grande escaldo!

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