sexta-feira, 12 de abril de 2024

Reduzido a uma faixa estreita de coisas atuais

"Narração", dentre outras coisas, é o ato de contemplar, de se demorar diante de algo de modo pensante. É o seu olhar ativo para algo que permite aí uma troca sua com o objeto observado, e nessa troca temos entendimento, temos catarse, temos o vislumbre de utopias, temos narração. Tudo isso é muito difícil de alcançar em uma época de hiperconectividade: instaura-se um certo ritmo de vida que não permite a contemplação; cresce uma certa carência de experiências por causa da ausência de narração. 
 
Tudo ao redor se converteu em informação, em dados. É olhar uma obra de arte e querer saber que tipo de tinta foi usada, apenas. 
 
Quem levanta esses pontos é Byung-Chul Han, em seu bom A crise da narração
"O tsunami de informações de hoje intensifica a crise narrativa, afundando-nos no frenesi de atualidade. As informações fragmentam o tempo. O tempo é reduzido a uma faixa estreita de coisas atuais. Falta-lhe amplitude e profundidade temporais. A compulsão pela atualização desestabiliza a vida. O passado não produz mais qualquer efeito no presente. O futuro se reduz a um update permanente de coisas atuais. Assim, existimos sem história, porque a narração é uma história. Não só as experiências na forma de um tempo compactado, mas também as narrativas futuras na forma de um tempo a ser descoberto se perdem para nós. A vida que se desloca de um presente para o outro, de uma crise para a outra, de um problema para o outro, reduz-se a uma sobrevivência. A vida é mais do que solução de problemas. Aqueles que só solucionam problemas já não possuem futuro. Somente a narração desvela o futuro, somente ela nos dá esperança."

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Esta é a sua arte

Parasita: é um verme, um verme rastejante que deseja engordar à custa de vossas feridas.

E esta é a sua arte: adivinhar os lugares cansados onde as almas ascendem: é na vossa dificuldade e no vosso desânimo, na vossa modéstia sensível que ele constrói o seu ninho repugnante.

Onde os fortes são fracos, onde o nobre é gentil — lá ele constrói seu ninho repugnante: o parasita vive onde o grande homem tem pequenas feridas.

— Nietzsche, em Assim falou Zaratustra.

sábado, 18 de novembro de 2023

Campina rasa

Montes à esquerda, próximos, verdes; montes à direita, longe, azuis; montes ao fundo, muito longe, brancos, quase invisíveis, para as bandas do S. Francisco. Ascendi um cigarro. E imaginei com desalento que havia em mim alguma coisa daquela paisagem: uma extensa planície que montanhas circulam. Voam-me desejos por toda parte, e caem, voam outros, tornam a cair, sem força para transpor não sei que barreiras. Ânsias que me devoram facilmente se exaurem em caminhadas curtas por essa campina rasa que é a minha vida. 

— Graciliano Ramos, no Caetés

sábado, 18 de março de 2023

Tudo em todo lugar ao mesmo tempo, de Daniel Kwan e Daniel Scheinert


É uma história de elementos divertidos, brigas absurdas e diálogos rápidos e inteligentes; mas que na verdade é sobre a luta nos relacionamentos diários, sobre a catarse contida em pequenos momentos que significam muito e sobre uma mãe tentando salvar a filha. Merecidamente premiado!

terça-feira, 27 de setembro de 2022

No fundo do poço... e eles não fazem nada

De uns tempos pra cá, temos falado só idiotices e isso se faz por ódio. 

Matéi Visniec, gênio do teatro do absurdo, foi minha vítima da vez. Com os bolsos cheios de pão, uma peça curta que me deu meses de trabalho, é paradoxalmente um texto dinâmico e repetitivo em sua ideia principal. Amor verdadeiro logo na primeira página, aura que tentei manter até o último segundo. 

Ouça "11 - Com os Bolsos Cheios de Pão" no Spreaker.